22 de jan. de 2017

Em tempos de Campanha da Fraternidade (2017) sobre o bioma brasileiro vale refletir...

"O processo de aperfeiçoamento e evolutivo é inerente à caminhada na aliança com Deus. A criação não é um ato acabado por um criador ‘aposentado’ de suas funções, como sugere o cientificismo, também não é um estado estático, mas obra de um Deus presente e previdente, que leva à perfeição aquilo que criou, segundo seu projeto original: “A criação tem sua bondade e sua perfeição próprias, mas não saiu completamente acabada das mãos do Criador. Ela é criada ‘em estado de caminhada’ (in statu viae’) para uma perfeição última a ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou”[1]. Deus está continuamente presente na criação, ele “está em atividade criadora permanente e constante, proporcionando, deste modo, subsistência à realidade criada”[2].
 A visão dinâmica de mundo aparece no Concílio Vaticano II, no entanto, na prática, ainda hoje se apresenta de forma tímida. A assembleia conciliar (Vaticano II) constata e vislumbra para o futuro um novo paradigma, o da dinamicidade e complexidade. O modo de pensar e agir carregado de uma perspectiva, sobremaneira estática, dá lugar a uma visão de uma realidade dinâmica, o que traz consigo novos desafios.

Acabou-se o tempo em que as diferentes partes da humanidade estavam voltadas a destinos diversos. Passou-se de uma visão estática para uma visão dinâmica e evolutiva do mundo, gerando novos problemas, que reclamam novas análises e novas sínteses[3].

 A visão de mundo dinâmico, em movimento, com formas de vida diversas, em constante inter-relacionamento, em vista do seu fim escatológico, traz em si a ideia de um Deus Criador de um mundo em contínua evolução, em statu viae para atingir seu fim último, seu fim escatológico, e, somente nesta dimensão se pode falar da perfeição da criação.
Teilhard de Chardin SJ (1881 – 1955) sugere que, ao aproximar-se das ciências naturais, se entenda Cristo não somente como o Alpha, mas que se acentue também o Ômega (cf. Ap 22, 13). Para ele, é urgente a superação de uma visão de mundo que contemple ciência sem Deus e a visão de um Deus desconectado do mundo, herança da Idade Moderna, ou seja, do reinado do cientificismo. A plenitude é alcançada na ressurreição em Cristo, esperança e força motriz para a qual caminha toda a criação. Cristo é a causa finalis da criação[4].
A afirmação “Tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1,16b) tem importância especial no pensamento de Chardin. Com base em estudos científicos da época, inclusive na área da paleontologia, Chardin faz reflexão teológica sobre o caráter evolutivo e complexo da criação onde não só o começo, mas também o fim, e toda a extensão da criação tem como ponto convergente Cristo[5]. Embora, em muitos círculos eclesiais, a cosmologia de Chardin não tenha recebido a justa recepção, a ideia da dinamicidade e evolução tem influenciado teologia como um todo. O debate hoje é no sentido de evitar uma visão científica reducionista da pessoa humana, ponto ainda tenso na relação fé – ciência. Reduzir a criação e sentido de existência humana à dimensão psicobiológica acentua as dificuldades na perspectiva cristã, segundo a qual o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus. Do ponto de vista teológico-cristão, o sentido do ser e estar no mundo, de todo ser criado reside no seu processo contínuo de redenção em vista do seu fim escatológico, quando então atinge a perfeição desejada por Deus. “A economia da ação salvífica divina abrange, junto com a origem criadora da história, da presença permanente de Deus e seu agir salvador em Jesus Cristo, em última análise, também sua perfeição prometida no vindouro Reino de Deus”[6].


[1] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 302.
[2] SATTLER, 2002, p. 194.
[3] CONCILIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et spes. Sobre a Igreja no mundo contemporâneo, 22. In: VATICANO II. Mensagens, Discursos, Documentos. Tradução Francisco Catão. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2011, n. 5.
[4] Cf. KEHL, 2008, p. 329.
[5] Cf. KEHL, 2008, p. 330.
[6] KEHL, 2008, p. 83: “Die OIkonomia des göttlichen Heilshandelns umgreift zusammen mit dem schöpferischen Ursprung der Geschichte, der ständigen Präsenz Gottes und seinem erlösenden Handeln in Jesus Christus schließlich auch ihre verheißene Vollendung im kommenden Reich Gottes“. (Tradução nossa).

(HOSS, Geni Maria. A Relevância da concepção bioética de Fritz Jahr para a abordagem ecológica da Teologia Prática, 2013)

Vidente? Adivinho? Poderes do além? Ou simplesmente alguém atento à realidade?



16 de jan. de 2017

Papa Francisco, progressista, conservador, testemunha do Evangelho?

Quem não passa de classificar o Papa Francisco entre “conservador” e “progressista” através de recortes, muitas vezes desconectados, e esquece que a sua missão é essencialmente de anunciar e testemunhar o Evangelho, sobretudo, em relação aos desafios humanitários hoje... Este já diz o que quer: usar o Papa para fundamentar suas convicções e atirar pedras na oposição de seus próprios pensamentos. Ou porque seria que tanto tempo gastam para analisar as ações do Papa, julgar os outros e nunca chegam à conclusão de que a conversão que se quer impor ao outro, na verdade, começa em casa... Por que tantos não conseguem nunca apresentar um testemunho de mudança da própria vida a partir do mesmo Papa que tanto usam para julgar os outros?

6 de jan. de 2017

Meu corpo e minha identidade...

O corpo é finito, mas é nele que experimentamos a nossa identidade. - Este é o sentido de cuidado do corpo de modo equilibrado: sem idolatria e sem menosprezo!

4 de jan. de 2017

Prisões de massa - culpa do Estado ou da iniciativa privada? - Não, simplesmente da corrupção!

Mal acabou de acontecer e já estão instrumentalizando o fato repugnante do sistema prisional de Manaus para benefício político próprio. Como se o problema tivesse sido produzido apenas nos últimos dias, como se o presídio em mãos do poder público seria muito diferente...
Não creio que o essencial é que seja desta ou daquela gestão. Isto porque a corrupção está generalizada. Os bilhões desviados tanto na esfera pública como particular (no decorrer de décadas) fazem falta ao sistema que deveria ter o bem comum como meta última e exclusiva. Uma parceria nestas condições mais parece a reunião de forças corruptas do que um serviço efetivo ao cidadão.
Estes eventos deploráveis acontecem em primeiro lugar, sem excluir os outros aspectos, porque há uma rede de corrupção de grandes proporções mantendo o sistema. Ele só funcionaria bem com um controle contínuo e eficiente. Mas como será isso, se quem deveria controlar é corrupto? Pode um corrupto exigir a não corrupção de outro? 
Ampliar o sistema não é solução, porque só amplia a corrupção e não traz solução efetiva. É preciso superar a cultura de corrupção, é preciso que haja não corruptos aptos e dispostos a combater a corrupção com todas as suas consequências maléficas para a sociedade como um todo e cada cidadão em particular. Se o sistema prisional brasileiro funcionasse minimamente, não existiriam estes depósitos humanos que, por suas condições de total descaso, se transformam em barril de pólvora sempre prestes a explodir. São condições que se repetem Brasil afora. Enquanto o Estado e os estados estão falidos financeiramente (ou melhor, moralmente), não há luz no fim do túnel e as prisões continuam merecendo foco só quando vier a próxima tragédia. De tragédia em tragédia se encontram justificativas injustificáveis pela sua falta de qualquer sentido uma vez que os cidadãos brasileiros são pagadores de um dos maiores impostos do mundo. E agora, cidadão, onde se pode contribuir para mudar tudo isso? Em primeiro lugar, não permitindo que o discurso bem articulado, mesmo que venha de seu próprio círculo de opções, cegue a sociedade. Por vezes, é terrível que as pessoas conseguem assumir uma posição totalmente incoerente com seus próprios princípios, só porque não conseguem se colocar criticamente diante de sua própria ideologia como se houvesse neste mundo alguns seres e instâncias sem necessidade de se olhar no espelho e rever suas defesas e ações. É preciso criar um fundamento moral sólido que não se deixa cegar por narrativas bem estruturadas quase como pegadinhas "pega cidadão desprevenido". O cidadão, em vez de ficar - de forma muitas vezes criminosa - defendendo radicalmente uma ideia só por ser da sua linha política, deve se orientar em diretrizes éticas e morais e, fazendo uma crítica bem fundada para si e suas opções, contribui para que se supere a oposição ao outro pela simples oposição e se edifique uma oposição crítica e efetiva na construção de uma sociedade mais justa e solidária.

O Papa também em oração pelos mortos, familiares... de Manaus - Palavras do Papa Francisco - Audiência 4 de janeiro de 2017

2 de jan. de 2017

Bioética - um desafio também para nossa (in)capacidade de revermos a certeza sobre nossos conceitos.

Quando a gente encontra alguém que sabe falar da bioética, lá vem uma montanha de informações sobre o assunto tendo como expoente o bioquímico e oncologista Van Rensselaer Potter (1911-2001) e a referência o seu livro "Uma ponte para o futuro" [Bioethics: Bridge to the Future], década de 1970. E questão que se levanta é: Por que tanta dificuldade para revisar a história da bioética no Brasil, quando tantos já descobriram que a bioética nasceu bem antes? Falemos então dos precursores da bioética. Cá e acolá o conteúdo da bioética é antigo. O ser humano desde cedo se confrontou com a própria vida. Mas um marco foi a contribuição simultânea de Albert Schweitzer (1875-1965), médico alemão e Nobel da Paz em 1952, profissionalmente atuante na África. Deixou como herança vários escritos, compilados posteriormente, entre outros,dois livros: a "ética do respeito à vida" e a "ética do respeito pelos animais". Outra descoberta foi o pensamento de Fritz Jahr (1895-1954), Halle, Alemanha, pois usou pela primeira vez o termo bioética. Ele intitulou o editorial da revista científica Kosmos, em 1927, de Bio-Ethik - "Bio-Ética" - (grafia da época), Portanto: Bio-Ética - uma revisão do relacionamento ético dos humanos em relação aos animais e plantas." (JAHR, 2012, p. 464) Na esteira de Kant, ele conclui o editorial com o imperativo bioético: "Respeite todo ser vivo, em princípio, como um fim em si mesmo e trate–o, se possível, enquanto tal!" Seu legado é breve, mas o suficiente para tocar nos principais tópicos que ainda hoje constituem os temas primordiais da bioética. Posteriormente, como já citado, Potter, mas também autores como Giovanni Berlinguer e Elio Sgreccia ampliaram as reflexões e contemplaram mais precisamente diferentes aspectos da vida. Por isso, fala-se de uma bioética de fronteira (começo e fim da vida), bioética de crise (situações críticas da vida) e de uma bioética do cotidiano (as questões relativos ao cuidado preventivo e curativo da saúde pública. 
É bom rever a história da bioética de forma que se faça justiça e se amplie o leque das reflexões, preservando igualmente uma abordagem específica, pois através dela chegamos mais próximos dos desafios que se apresentam nas diferentes esferas da vida.

1 de jan. de 2017

A paz brota no coração, mas seus ramos devem estender-se a todo orbe!

"A não-violência como estilo de política para a paz" - "Gewaltlosigkeit: Stil einer Politik für den Frieden." “Non-violence as a style of politics for peace” [...] "A não-violência ativa é uma forma de mostrar que a unidade é, verdadeiramente, mais forte e fecunda do que o conflito. No mundo, tudo está intimamente ligado. Claro, é possível que as diferenças gerem atritos: enfrentemo-los de forma construtiva e não-violenta, de modo que «as tensões e os opostos [possam] alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida», conservando «as preciosas potencialidades das polaridades em contraste»" (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1.º jan. 2017).
"O importante é a paz no coração", talvez mais: é importantíssimo!!! Mas não só. Esta afirmação tão rica em conteúdo pode não passar de um subterfúgio para acomodar-se na zona de conforto. A paz do coração deve transbordar e alcançar todo o mundo! Como assim se não sou presidente de uma das grandes potências mundiais, se não sou líder de uma instituição internacional? As intolerâncias com o gênio diferente, as intolerâncias com as opções ideológicas políticas ou outras, as intolerâncias inclusive para quem tem a coragem de se afirmar em seus valores humanos fundamentais, pode ser decorrente de um coração em paz? Temos muito a fazer pelo respeito fraterno... E são estes gestos de respeito e amor ao próximo que, multiplicados e ampliados para as esferas maiores, possibilitam a paz no mundo! A polarização doentia é que gera os conflitos de cada dia. Pensar diferente, pensar muito diferente, não é o problema, o problema é quando se cometem verdadeiros crimes ao desclassificar o outro para afirmar a supremacia do próprio pensamento. Vejam quantos, inclusive pessoas que, pelo seu conhecimento, pela sua representatividade eclesial e social, deveriam ser expoentes da unidade, adotam as mesmas expressões criminosas: "ele / ela é muito burra mesmo", "quanta ignorância", "só podem estar loucos"... etc. Primeiro, desculpe, animais burros, que vocês não merecem, segundo, a ignorância por falta de conhecimento não seria exatamente uma expressão pejorativa, terceiro, louco, quem não é ao menos um pouco? O problema consiste justamente no contexto que se usa e o que significa diante de uma lei que acolhe de igual modo todas as expressões de pensamento, religiosas, filosóficas e políticas. Os grandes defensores da democracia por vezes não passam de ditadores do pensamento único. Com um discurso bem articulado conseguem admiradores, porém, isso não minimiza a postura inadequada. Paz no coração e paz no mundo!