Discípulo
missionário e exercício da cidadania:
- desafios em tempos
de pandemia e instabilidade política
Dr.ª Geni Maria Hoss
teóloga, bioeticista
Chamados a ser
luz do mundo (cf. Mt 5, 14), os discípulos missionários se encontram hoje
diante de um grande desafio: Como dar testemunho do Evangelho em tempos de
pandemia, situação agravada pelo emaranhado político que hoje se apresenta?
Uma
realidade particularmente desafiante. A polarização,
intolerância e violência psíquica e física dela decorrentes já estavam instaladas
quando a pandemia do coronavírus chegou e se alastrou. As redes sociais, desde
a sua popularização, são meios utilizados para ataques e desrespeito e pouco
esclarecimento objetivo. Uma verdadeira epidemia de notícias falsas, que prejudicam
e desinformam, mais ainda, promovem o ódio e a intolerância, se alastram sempre
mais, principalmente aquelas relacionadas com a política e a saúde. Com a
chegada da pandemia, o esforço de resolver o problema e usar os mesmos meios
para disseminar informações objetivas e úteis tiveram menos adesão do que as
notícias falsas e tendenciosas. Isto se deve, em grande parte, ao fato de os
avanços tecnológicos, que permitiram informações em tempo real e de amplo
alcance, não ser acompanhado com um correspondente crescimento do debate ético
pautado, sobretudo, no valor da verdade e da dignidade humana, por isso deixam
um grande vácuo. As informações muitas vezes são aceitas sem a devida análise
crítica e discernimento. É neste vácuo que surge um verdadeiro campo de ação
livre e promissor para as notícias falsas, tendenciosas e bem articuladas para
convencer os seus interlocutores. Viver num mar de informações não garante
sabedoria de vida. Com razão, o filósofo Polonês Baumann (2016) adverte: “Como
E. O. Wilson, o grande biólogo, expressou de forma muito sucinta e correta: ‘Estamos
nos afogando em informações e famintos por sabedoria.’ Não temos tempo de
transformar e reciclar fragmentos de informações variadas numa visão, em algo
que podemos chamar de sabedoria. A sabedoria nos mostra como prosseguir. Como o
grande filósofo Ludwig Wittgenstein dizia: ‘Compreender é saber como seguir
adiante.’ E é isso que estamos perdendo. Não sabemos como prosseguir” (Baumann,
2016). Poderíamos aqui acrescentar: só sabemos que, em muitos casos, não
passamos de escravos modernos de opinião alheia. Quando apetece, ela é
absorvida e defendida com garra, se vai na contramão das próprias convicções,
mesmo que carecem de fundamentos sólidos.
Após à expansão
da pandemia, muitos doentes e muitas mortes, o negacionismo da pandemia e a
incredulidade nas ciências persistem. Além disso, acentuou-se a polarização
orientando inevitavelmente as atenções para as turbulências políticas com prejuízo
ao cuidado necessário para administrar de forma responsável a pandemia do
coronavírus e assegurar comportamentos adequados para o bem comum. A urgência da
união dos cidadãos para reivindicar gestão pública responsável para o bem de
todos, tomada de decisões e providências ficou em segundo plano. O que
aconteceu de fato foi o acirramento dos ânimos e não foram poucos os que
optaram por se digladiar nas redes sociais. Isto, porque em ambientes
polarizados só existem dois extremos: os certos e os errados, sendo
naturalmente errados os outros. Geralmente ambos os lados se alimentam de convicções
que carecem de argumentação e acentuam as denúncias recíprocas. Infelizmente saem
de cena os programas e promessas políticas que levaram o eleitor a escolher o
gestor público e focaliza-se em comparação entre “inimigos”, não adversários. A
pretensa “fundamentação” muitas vezes não passa de comparação agressiva e
desrespeitosa no intuito de demonstrar que “o outro” fez e faz política pior
que esta. Daí se explica uma narrativa permeada de linguajar de baixo calão e
destruidor da opinião alheia. Outro grande problema de uma adesão radical sem
senso crítico e discernimento é que os erros cometidos sejam distorcidos em
“verdades” para não precisar admitir a necessária autocrítica. Em relação ao
passado, isto implica em negação de momentos sombrios da história e, no
presente, acontece que a mesma atitude, ora é considerada “correta”, ora, “errada”,
dependendo apenas se se trata do polo defendido ou do polo “inimigo”. Há, portanto, discrepâncias e incoerências, um
contratestemunho evangélico, a serem superados, colocando-se de novo no centro o
cuidado da vida, o engajamento pelo bem comum, diante de tantas ameaças e
descasos que ora reina na sociedade.
Um chamado
para transformar a realidade à luz dos valores evangélicos. Os
discípulos missionários iluminam esta realidade ao testemunharem o amor
fraterno, a verdade, a acolhida do outro e se engajarem efetivamente a fim de
que a vida seja colocada no centro. A melhor contribuição nos meios de
comunicação onde se disseminam ódios e mentiras é a propagação dos valores do
Evangelhos, da promoção da vida. A promoção da vida não se limita a cuidá-la em
condições de risco de saúde, mas inclui todas as suas condicionantes como:
alimentação, moradia, saneamento básico, formação humana e profissional, etc.
Isto tanto na oferta das estruturas indispensáveis bem como renda necessária
que garantam vida digna para o cidadão e sua família. Só quem conhece e vive a
sua fé na vida cotidiana está suficientemente fortalecido para testemunhá-la em
situações tão adversas como conhecemos hoje na sociedade.
Para isso é importante
que se entenda a missão de ser luz no mundo, marcando presença significativa na
vida da sociedade e política, a partir dos princípios e diretrizes apresentadas
no Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI) [1].
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que falar da DSI não é equivalente à
defesa de qualquer linha político-partidária. A política como organização e
gestão do bem comum diz respeito a todos. A distorção do papel da política ou
sua compreensão superficial leva a defesas calorosas de separação do
inseparável. Cada cristão, a quem se destina a Doutrina Social em primeiro lugar,
está naturalmente inserido na organização social e política como cidadão que é
e, por isso, cabe-lhe iluminar estas realidades e testemunhar nelas os valores
do Evangelho. O CDSI apresenta a síntese das diretrizes essenciais dos
documentos sociais anteriores, a começar pela conhecida Encíclica Rerum
Novarum, 1891, do Papa Leão XIII. Aqui abordamos somente alguns elementos
essenciais relevantes para a situação da hora.
A
consciência e discernimento: A consciência e liberdade são dimensões
fundamentais da pessoa. Sem elas, não se pode falar de respeito à dignidade da
vida humana. Ninguém tem autoridade sobre a consciência do outro. Na visão do
Concílio Vaticano II, apresentada na Constituição Pastoral Gaudium et Spes
(GS), vemos que “a consciência é o centro
mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja
voz se faz ouvir na intimidade do seu ser” (GS, 1965, n. 16). Debates e
aconselhamentos podem interpelar a pessoa e a incitar a busca pela verdade,
mas, em última análise, sempre orientada pela própria consciência. “Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos
estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver
tantos problemas morais que surgem na vida individual e social” (GS, 1965, n.16).
O primeiro ponto
a considerar é a consciência inerente ao ser humano. Sim, há algo que a pessoa
traz em si e que a impele a tomar decisões e atribuir valores: “No presente
texto emerge ademais a importância dos valores morais, fundamentados na lei
natural inscrita na consciência de todo ser humano, que por isso está obrigado
a reconhecê-la e a respeitá-la” (CDSI, 2011, Intr. n. 3). Há necessidade de formação da consciência, ou
seja, é preciso aprender a conhecer, apreciar e iluminar com os valores, sejam
eles inerentes à pessoa ou aqueles que se reconhece no decorrer da vida como
algo bom para si próprio e sua relação com o outro, a fim de que se chegue a
decisões e ações coerentes. Só assim pode haver harmonia entre o que se acredita
e o que faz como algo bom. Para isso, é tarefa de todos promover o conhecimento
e debate a partir de diretrizes objetivas de forma que cada pessoa tenha
suficiente argumento para decidir de forma livre e responsável, segundo a sua
consciência. Aqui se percebe que qualquer julgamento arbitrário do outro está
na contramão da dignidade humana uma vez que não somos tutelas da consciência
de ninguém. Não significa proibição de apreciação, significa maior
responsabilidade na promoção do conhecimento e do debate, da abertura para as
diferentes opiniões. Claro que o assunto aqui é de pessoas adultas autônomas.
Porém, isto também indica o quanto se deve ser cuidadoso ao lidarmos com
situações limite, seja na responsabilidade de pais e educadores na formação da
consciência dos filhos e educandos, seja em situação condicionante como saúde
psíquica e mental, incluindo aqui a demência de algumas pessoas. Todos estes
grupos merecem atenção especial, mas se deve ter em vista que, na sua própria
condição, devem ser motivados e encorajados a viver sua liberdade e livre
decisão.
No contexto do
CDSI vale aqui ressaltar também a consciência coletiva. Existe uma consciência
de valores no núcleo familiar, em grupos de cooperação, a consciência nacional
e bem como consciência de humanidade. Quanto mais se expande, tanto mais a
consciência se concentra no essencial do ser humano. Por isso, a antiga e
sempre nova questão: Existe uma ética universal? Quais sãos os valores
essenciais globais?
A consciência
bem formada é a base para o autêntico discernimento. Discernir não significa a
posse de certezas, mas da constante busca pela verdade. À luz da fé, nesta
busca recorremos ao Espírito Santo. Precisamos de uma luz que está além das
fronteiras da percepção e conhecimento humano. Isto evita a tentativa de
“encapsular” a verdade, limitando-a às próprias convicções. Neste sentido, diz
o Papa Francisco a respeito do chamado do missionário. Ele “nunca se fecha,
nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez
auto-defensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e
no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível,
ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada” (Papa Francisco,
2013, n. 45). O autêntico discernimento permite que se dê testemunho nos
ambientes que carecem de luz, ambientes em que o ser humano é manipulado e
instrumentalizado para fins adversos à sua dignidade. Não é tarefa dos
discípulos missionários jogar ódio para todos os lados sobre aquelas pessoas,
meios de comunicações e situações que lhe parecem conflitantes com seus
valores. Quando isto acontece, ele não entendeu sua missão. Debate se faz com
argumentos e, mais que isso, a sociedade precisa daqueles que são “luz do
mundo”.
Os discípulos
missionários no mundo da política. A natureza da política e da Igreja é
distinta quanto ao seu fim, mas ambos se concretizam nos mesmos espaços. O que
caracteriza um estado laico não é a supressão das organizações religiosas, mas
o respeito pelas diversas expressões de fé em seu território e a promoção do
diálogo, particularmente em questões humanitárias. “A Igreja e a comunidade política, embora
exprimindo-se ambas com estruturas organizativas visíveis, são de natureza
diversa quer pela sua configuração, quer pela finalidade que perseguem” (CDSI,
2011, n. 424). Se os fins da Igreja e da política são distintos, o mesmo não
acontece em relação aos discípulos missionários e os cidadãos. Os discípulos
missionários são membros da Igreja, são Igreja e são também cidadãos que constituem
a sociedade. Por isso, “a autonomia recíproca da Igreja e da comunidade política
não comporta uma separação tal que exclua a colaboração entre elas: ambas,
embora a títulos diferentes, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos próprios
homens” (CDSI, 2011, n. 425). Se sobre um determinado assunto, um governo se
propõe a um diálogo com a sociedade, como parte integrante desta mesma
sociedade está a Igreja, cuja voz pode vir por parte de seus representantes, sobretudo,
porém, através da presença significativa dos discípulos missionários nas
diversas realidades. Respeitados os espaços e as finalidades de cada um, “a
Igreja e a comunidade política podem executar ‘tanto mais eficazmente, para o
bem de todos, este serviço, quanto mais cultivarem entre si uma sã cooperação, consideradas
também as circunstâncias dos tempos e lugares” (CDSI, 2011, n. 425). À luz dos
valores do Evangelho, a Igreja entende sua vocação no mundo para além da
manifestação da fé e devoção, assim como Jesus, ela vai ao encontro dos
doentes, dos pobres, ela se empenha por condições de vida digna de todos os
seres humanos, entende-se como luz em todas as realidades humanas. Por este
motivo, ela reivindica “liberdade de associar-se para fins não só religiosos,
mas também educativos, culturais, sanitários e caritativos” (CDSI, 2011, n.
426).
A presença na
sociedade, como dito acima, não se limita à sua atuação por vias institucionais.
São os discípulos missionários enviados para ser luz em todas as realidades
humanas que são especialmente chamados à transformar as estruturas sociais. O
âmbito da política entendido como espaço de gestão do bem comum e de
engajamento pelo bem de cada cidadão é bem por isso um espaço onde o discípulo
missionário cumpre seu dever cidadão. É importante aqui discernir entre
política e politicagem e, igualmente, entender que se trata das diversas formas
de participação política, muito além de uma pertença a um determinado partido.
É neste sentido amplo que se deve entender a missão do discípulo missionário
sem, contudo, excluir a participação político-partidária. Também estas estruturas
precisam ser iluminadas e interpeladas quanto aos seus fins em vista do bem
comum.
“Um âmbito particular de discernimento dos fiéis
leigos diz respeito as escolhas dos instrumentos políticos, ou seja, a adesão a
um partido e às outras expressões da participação política. É preciso fazer uma
escolha coerente com os valores, tendo em conta as circunstâncias reais. Em
todo o caso, qualquer escolha deve ser radicada na caridade e voltada para a
busca do bem comum” (CDSI, 2011, n. 573).
A participação
do discípulo missionário começa pelo desafio de uma votação bem feita. Mais uma
vez é preciso acentuar que esta acontece no “santuário da consciência” de cada
um e ninguém pode ser recriminado por suas escolhas. Muito menos grupos
eclesiais podem definir uma escolha coletiva. Mais importante que isso são os
debates objetivos e bem fundamentados que antecipam estas escolhas e o controle
social posterior às eleições. Sobre as escolhas, diz o CDSI:
“As instâncias da fé cristã dificilmente podem ser
encontradas numa única posição política: pretender que um partido ou uma corrente
política correspondam plenamente às exigências da fé e da vida cristã gera
equívocos perigosos. O cristão não pode encontrar um partido plenamente às
exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma
corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que
o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre
mais atentas a obter o verdadeiro bem comum, inclusive os fins espirituais do
homem” (CDSI, 2011, n. 573).
Portanto, seja
qual for a sua escolha, a posição do discípulo missionário será sempre crítica.
Não existe o político perfeito, não existe o partido perfeito. Cabe votar com
responsabilidade evitando a polarização ao endeusar uns e demonizar outros,
valendo-se para isso de um linguajar agressivo e desrespeitoso. Porque aplausos
cegos costumam reforçar e prolongar erros. “Nós estamos tão habituados a
insultar os responsáveis. É inútil, e até chato, que os cristãos percam tempo a
lamentar-se do mundo, da sociedade, daquilo que está errado. As lamentações não
mudam nada”. (Papa Francisco, 2020). Também aqui vale lembrar os insultos que
permeiam as redes sociais. Insultar não é sinônimo de posicionamento crítico e
muito menos tem alguma utilidade para melhorar a situação. Expressar-se desta
forma denuncia a falta de critérios e diretrizes para garantir a presença
significativa e iluminadora na sociedade.
O CDSI ensina:
“A distinção, de um lado, entre instâncias da fé e
opções sociopolíticas e, de outro lado, as opções de cada cristão e as
realizadas pela comunidade cristã enquanto tal, implica que a adesão a um
partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal,
legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a
fé e os valores cristãos. A escolha do partido, da corrente política, das
pessoas a quem confiar a vida pública, mesmo empenhando a consciência de cada
um, não pode ser entendida como uma escolha exclusivamente individual: É
às comunidades cristãs que cabe analisar, com objetividade, a situação própria
do seu país e procurar iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do
Evangelho; a elas cumpre, haurir princípios de reflexão, normas para julgar e
diretrizes para a ação, na doutrina social da Igreja’” (CDSI, 2011, n. 574).
Portanto, nada
de achismos e egoísmo, nada de olhares estreitos. É preciso abrir os horizontes
para o nível de todos os desafios do país e de toda população e evitar o apenas
o benefício próprio. Não se trata, portanto, de escolher alguém que plantou uma
árvore no nosso quintal, mas alguém que saiba cuidar de uma floresta.
Reforçando: A DSI
chama atenção para diferentes formas de participação política. Ao fazer isto,
ela defende uma instância fundamental da democracia. Votação popular é apenas
uma de suas expressões. A participação dos cidadãos, de forma individual ou
organizada num coletivo, não é somente desejada, mas necessária para que haja
efetiva democracia.
“A participação na vida comunitária não é somente
uma das maiores aspirações do cidadão, chamado a exercitar livre e
responsavelmente o próprio papel cívico com e pelos outros, mas também uma das
pilastras de todos os ordenamentos democráticos, além de ser uma das maiores
garantias de permanência da democracia. O governo democrático, com efeito,
é definido a partir da atribuição por parte do povo de poderes e funções, que
são exercitados em seu nome, por sua conta e em seu favor; é evidente,
portanto, que toda democracia deve ser participativa. Isto implica que os vários sujeitos da
comunidade civil, em todos os seus níveis, sejam informados, ouvidos e
envolvidos no exercício das funções que ela desempenha.” (CDSI, 2011, n. 190)
Há diversas
formas de organização de participação e engajamento pelo bem comum e, não em
última análise, realizar experiências e capacitações para lideranças políticas.
A participação em movimentos, conselhos comunitários, de natureza diversa como
saúde, segurança... além de atuar onde o cidadão de fato precisa, é uma
excelente escola de formação de líderes. É nestes espaços que é possibilitado a
cada cidadão reivindicar seus direitos e também fazer o controle social
daqueles que tem a responsabilidade do bem comum nas mãos. A ausência e inércia
do cidadão nestes espaços permite que os políticos eleitos se desviem de seus
programas de campanha eleitoral, se envolvam em corrupção e fazem mau uso do
dinheiro público, desviando os impostos para benefício próprio. Outras
instâncias de participação são os meios virtuais como portal da transparência,
as ouvidorias e também as assembleias de bairro onde se delibera sobre as
prioridades para o uso do dinheiro público. Nenhum destes espaços pode ficar
ocioso.
Participação
política e lições da pandemia. No momento presente é inevitável não
tocar no assunto da pandemia. Uma pandemia é por si mesmo algo desconhecido e
implica em desafios antes nunca enfrentados. É por ser uma situação muito
complexa que ela deixa muitas lições. Seguem algumas:
¾
Ou reagimos rapidamente, mesmo que de certa
forma no escuro, ou permitimos impactos ainda mais graves.
¾
Teorias conspiratórias (diga-se, sem apresentar
comprovação) e o negacionismo são péssimo negócio e só atrapalham.
¾
A verdade não gera pânico para pessoas que costumam
orientar-se em princípios, diretrizes bem fundamentadas, conhecimento de causa.
O mesmo não acontece com as fake News. Notícias falsas geralmente agradam ao
ouvido, mas não informam, apenas ajudam a nos alienar, além disso, podem
tornar-nos escravos de robôs.
¾
Valorizar a ciência é urgente. Compreender que o
tempo da ciência é incompatível com a nossa ansiedade. Promessas de remédios
rapidamente disponíveis são promessas enganosas. A eficácia dos remédios é uma
questão científica e não política. Não há medicação universal, mesmo os
medicamentos já existentes devem ser comprovados. Como em todas as áreas,
alguns são profissionais de saúde, outros profissionais de saúde e cientistas:
também os profissionais de saúde precisam de informações e orientações
comprovadas pelas ciências. Aprender ciências na escola não é supérfluo.
Entender um processo científico é fundamental para se acreditar nela e não cair
nas falácias do achismo.
¾
As aulas de matemática sobre a curva exponencial
foram importantes, sim. Uma curva exponencial não é um traçado do destino
invariável, mas uma informação que nos permite tomar decisões que mudem o seu
traçado no sentido positivo.
¾
O egoísmo não é só prejudicial para a própria
pessoa, mas para toda a coletividade. Descuidar das orientações quanto ao
distanciamento social e uso de equipamentos de prevenção é brincar a própria
vida e também da vida dos outros. “Quem cumpre seus próprios deveres consigo próprio
evita muitas maneiras de prejudicar outras pessoas” (Jahr, 2013, p. 482). É
preciso refletir sobre as consequências das ações, no caso, de falta de
cuidado, pois o arrependimento pode vir tarde demais.
¾
Cada pessoa é importante, a tragédia não precisa
bater na própria porta para levar a sério o cuidado pela vida.
¾
É incoerente se apresentar como “defensor da
vida” à luz dos valores do Evangelho e não se cansar de banalizar a vida nas
redes sociais ao incitar para o desrespeito das orientações da Saúde. A defesa
da vida é desde o início até o fim natural.
¾
A polarização, a intolerância, a falta de
objetividade e conhecimento no debate político acentuam a falta de respeito,
julgamentos arbitrários, sentimentos de superioridade em todas as linhas,
batendo de frente com o valor evangélico do amor ao próximo.
¾
A pandemia jogou no ar todos os desafios que
enfrentamos no momento: reforçou a polarização, mostrou a falta de conhecimento
da gestão pública, do sistema de saúde deficitário e da falta de controle social
para melhorá-lo.
¾
A corrupção não dá tréguas, é um vício. Nem
mesmo uma tragédia evita a sua disseminação.
¾
Não entendemos o suficiente a interdependência
global, tanto pela expansão da pandemia bem como pelas possibilidades de
escolhas. Confrontamo-nos com a dependência das tecnologias e insumos,
particularmente no mundo da saúde.
¾
Etc.
Considerando-se
que somos um país de muitos cristãos, de muitos discípulos missionários,
pode-se tomar como convite à reflexão a conclusão do Papa Francisco:
“Apesar de se notar uma maior participação de muitos
nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos
valores cristãos no mundo social, político e econômico; limita-se muitas vezes
às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do
Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a
evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um
importante desafio pastoral” (Papa Francisco, 2013, n. 102).
Consideração:
Levando em conta o momento presente somos convidados a identificar, ao analisar
os sinais dos tempos, os desafios para o presente e o futuro. Somos chamados a
iluminar os espaços de trevas com a luz do Evangelho. O mundo virtual precisa
de pessoas que testemunhem a verdade, o respeito, o amor fraterno. A sociedade
precisa de cidadãos que se engajem pelo bem comum, por um mundo mais justo e
solidário. As estruturas públicas de assistência à saúde precisam do controle
social dos cidadãos de modo que se supere a corrupção e, consequentemente, se
ofereçam melhores condições de assistência. Enfim, assumamos o desafio pastoral
apresentado pelo Papa Francisco
Referências
Bauman, Zygmunt. "Estamos num estado de interregno.
Vivemos na modernidade líquida” (Entrevista GloboNews 2016).
Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2016-jan-01/zygmunt-bauman-neste-seculo-estamos-num-estado-interregno,
Acesso: 29 jun. 2020.
Constituição Pastoral Gaudium et Spes (1965). Disponível em:
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html.
Acessado: 25 jun 2020.
JAHR, Fritz.
Ensaios em ética e bioética 1927-1947, In: PESSINI, Leo et al. Ética e
Bioética Clinica e Pluralismo – com ensaios originais de Fritz Jahr. São
Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2013. 455-501.
Papa Francisco. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
(2013). Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html
. Acessado: 20 jun 2020.
_____Homilia da Solenidade de São Pedro e São Paulo (29 jun
2020). Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2020/documents/papa-francesco_20200629_omelia-pallio.html
. Acesso em: 30 jun 2020.
Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. Compêndio da Doutrina
Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2011.
[1]
O CDSI foi publicado em 2005 pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, com aval
e aprovação do Papa da época, João Paulo II.
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