2 de ago. de 2017

Bioética.... desde quando?


Fritz Jahr é um nome que aparece há pouco tempo quando se trata do desenvolvimento da bioética. No entanto, o termo bioética e o imperativo bioético, segundo o estado atual das pesquisas, remontam ao ano de 1926. Portanto, ele é o pioneiro, segundo conhecimentos atuais. Em 2012 fui convidada a compartilhar o resultado da minha pesquisa de bioética no “Círculo de Estudos sobe Ética na Europa Central e do Leste.” O evento aconteceu nas dependências da Universidade de Halle-Wittenberg, na cidade de Halle, Alemanha, terra natal de Fritz Jahr. Na oportunidade apresentei o tema “Fritz Jahr e a abordagem ecológica na Teologia Católica hoje.” (Fritz Jahr und der ökologische Ansatz der katholischen Theologie heute). Foi neste evento que foram apresentados os últimos achados de Fritz Jahr e a data do delineamento e primeiro uso do termo bioética foi antecipada para 1926, a última data era 1927.  Portanto, hoje se conhece como uso pioneiro do termo bioética, na grafia da época, bio-ética [Bio-Ethik), o texto de Fritz Jahr “Ciência da vida e ética”[1], de 15 de dezembro de 1926. Já, no ano segunte, em 1927, Fritz Jahr escreve um editorial na revista científica Kosmos, onde foca o termo bioética e, de forma suscita e compacta, elabora as linhas-mestras de seu pensamento a respeito do tema: “Bioética, 1927, – Revendo as relações éticas dos seres humanos com os animais e plantas[2]”. Jahr aponta para a necessidade do termo em vista dos desafios relacionados à vida. De um lado, não conhecia ainda os avanços biomédicos mais impactantes, como é a realidade hoje, mas vislumbrava um futuro preocupante, caso não se fosse ao encontro dele com profundo sentido de ética da vida. A primeira questão é que a ética que, tradicionalmente estava relacionada ao comportamento humano e a convivência com seus semelhantes, abriu o leque e incluiu o cuidado dos animais e plantas, em suma, todas as formas de vida. Foi uma época em que se tomou consciência das interconexões e interdependências de todas as formas de vida. Uma questão de compaixão para com o outro e da própria sobrevivência.   
O autor reconhece a contribuição das ciências para analisar as realidades do mundo, antes uma prerrogativa da filosofia e das religiões. “As ciências naturais modernas sempre terão o papel de apresentar um estudo imparcial sobre o mundo [Weltgeschehen]”[3]. Foram elas, as ciências, que permitem um olhar objetivo sobre o mundo. Para o autor é importante que cada campo do saber tenha autonomia e sistema próprio para avançar no seu respectivo conhecimento.  Para Jahr, o conteúdo da bioética não é grande novidade e cita Francisco de Assis (1182-1226), conhecido pelo seu grande amor e compaixão pelos animais.  
Jahr cita diversos autores e, somente olhando para estes, é possível conhecer o pano de fundo de suas reflexões. Entre eles, vale destacar o filósofo Krause que, no ano de 1811 e anos subsequentes, deixou como legado principal alguns conceitos relativos à teoria dos sistemas. Outros nomes são Schopenhauer (1788-1860), Richard Wagner (1813-1883), Ed. Von Hartmann (1842-1906), todos eles contribuíram para o reconhecimento da necessidade de uma relação de compaixão para com todos os seres vivos. Jahr, no entanto, não assume a ideia tal qual elas são, pois suas reflexões incluem os valores cristãos, ou seja, o mandamento do amor. Não matar, segundo Jahr, aplica-se a todos os seres vivos.
Na Europa da época, já haviam regulamentações de proteção aos animais, porém, “com as plantas, é diferente. Para alguns, a princípio, pa­rece irracional ter obrigações éticas com elas”[4]. Outro alerta de Jahr que, mais do que naquela época, faz sentido hoje, é o fato de ele ressaltar a falta de cuidado para com as riquezas naturais abundantes ou ainda não em risco de extinção. Ele reconhecia a necessidade  da responsabilidade ética por terem todos os seres vivos um fim em si mesmo e não poderiam ser medidos só pelo fato de ainda existir em abundância ou não. Ao pautar suas reflexões em diferentes autores e culturas, Jahr não pretende uma m

“Ademais, nossas regulamentações previstas em lei e pela polícia protegem plantas específicas e flores de determinadas áreas (tais como as plantas nos Alpes), e se baseiam em suposições totalmente distintas. A polícia estadual [Polizeistaat] pretende impedir a extin­ção dessas plantas em tais áreas para que outras pessoas as admirem no futuro. Quando houver uma grande quan­tidade de plantas, o estado não intervém para evitar que acabem”[5].


Jahr defende todas as formas de vida ressaltando sempre o direito de serem respeitadas segundo suas particularidades. O que define a forma de cuidado são as exigências próprias da natureza de cada forma de vida. E mesmo quando o sofrimento for necessário, que seja minimizado quanto possível. Na verdade, ele propõe atitudes que, mais tarde, foram asseguradas nas regulamentações da ética em pesquisa. Aqui, ele converge com Albert Schweitzer quando analisa o sofrimento próprio do viver de cada ser vivo. Há sofrimentos inevitáveis, mas nenhum sofrimento pode ser imposto sem “motivos razoáveis”.




[1] JAHR, Fritz. Ensaios em ética e bioética 1927-1947, In: PESSINI, Leo et al. Ética e Bioética Clinica e Pluralismo – com ensaios originais de Fritz Jahr. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2013, p. 455-501, p. 459.
[2] JAHR, 2013, p. 461.
[3] JAHR, 2013, p. 461.
[4] JAHR, 2013, p. 463.
[5] JAHR, 2013, p. 464. 

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