"Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho" (Papa Francisco, EG n. 20).
O Evangelho é incômodo, porque ele nos interpela continuamente sobre nós próprios. É tão bom não precisar questionar as próprias atitudes, os próprios paradigmas e convicções, é tão bom no recôndito de nossa comodidade. É incômodo também, porque ele dispensa pregações calorosas que não venham acompanhadas de testemunho. Aliás, a pregação é o testemunho. Quão humano e cuidadoso Jesus foi com as necessidades e aflições humanas! O testemunho é o Evangelho encarnado! A eloquência das palavras não impactam mais do que o testemunho de amor, alegria e humildade.
Um dia, pelas minhas andanças nas periferias de uma grande cidade, uma senhora me convidou para visitar também a sua casa. Já a forma de convidar denunciava algo... Interrompi o itinerário programado segundo convite antecipado recebido de algumas famílias do local. Dirigi-me à humilde casa daquela família. Aliás, todas as casas visitadas neste dia se encontravam numa região de muitas necessidades humanas básicas. A casa de chão batido, muito bem cuidada, e a pequena turma que se reuniu e estava me acompanhando, conseguiu um lugar para sentar. Algumas em cadeiras, outras no chão batido e outras ainda nas escadas. Foi então que conversamos animadamente. A senhora da casa ofereceu café. Não tinha xícaras para todos, mas uma canequinha de alumínio foi o suficiente. Jesus não partiu pão e vinho para uma multidão? Por que lembro destes detalhes se não é meu forte guardar estas coisas na memória? Simplesmente porque naquele dia aprendi o que significa aceitar uma xícara de café. Ao nos despedir, a senhora disse: não imaginei que a professora aceitaria meu convite. Pela primeira vez que pude oferecer café na minha casa para uma professora. E eu pensei: será que o bonde da humanidade não passa diante dos nossos olhos e nós o perdemos? Talvez mais importante do que aparecer numa casa humilde da periferia para cobrar ausência na escola, descuido com o mosquito da dengue... não seria melhor primeiro simplesmente tomar um café, sentado no chão batido, e escutar a situação de cada pessoa? Sem diminuir, pelo contrário, reforçando a necessidade que temos para promover educação e saúde. Fortalecidos com os laços de humanidade toda e qualquer ação encontra eco e adesão não por imposição, mas por atração.
São tais situações que nos ensinam que o Evangelho é incômodo. Muito incômodo! Porque se, ao contrário de Jesus, não me aproximar das pessoas na situação em que se encontram e não lhe estender a mão ali, pouco posso testemunhar o Evangelho, porque o resto são caprichos meus, palavras perdidas no ar.
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