Há
tantas coisas possíveis de serem realizadas, mas convém fazer tudo o que é
possível fazer? Há aqueles que consideram a Igreja e outras instâncias de
debate ético como entrave para as pesquisas. Bem, onde faltam o bom senso, a
centralidade da pessoa em sua dignidade, onde as mentes e suas ações são
dirigidas por alguma ideologia selvagem que desconsidera a essência da
dignidade da pessoa, ali, sim, podemos falar de questionamentos ‘indesejáveis’,
pois levantar questões éticas visa dar mais consistência e sentido ético às
pesquisas científicas e, de forma nenhuma, impedir que elas possam beneficiar a
humanidade.
O
que ensina a Igreja Católica?
Sobre o sentido positivo das pesquisas:
“As
experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos podem
concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.”
(Catecismo da Igreja Católica, 1992, n. 1192)
Sobre os limites sobre das pesquisas:
“A
ciência e a técnica são recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem
seu desenvolvimento integral e benefício de todos; contudo, não podem indicar
sozinhas o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica
estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e seu crescimento;
portanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua finalidade
e a consciência de seus limites.” (Catecismo da Igreja Católica, 1992, n.
2293).
Sobre o respeito e o bem integral da
pessoa:
“É
ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas aplicações.
Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples eficácia
técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos
outros, e muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem,
por seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios
fundamentais da moralidade; devem estar a serviço da pessoa humana, de seus
direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e integral, de acordo com o
projeto e a vontade de Deus.” (Catecismo da Igreja Católica, 1992, n. 2294)
Sobre o consentimento livre e
consciente do participante da pesquisa:
“As
pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si mesmos
contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos
sujeitos não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é
moralmente legítima se fizer a vida ou a integridade física e psíquica do
sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A experiência em seres
humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem o
consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.” (Catecismo
da Igreja Católica, 1992, n. 2295)
Uma
das grandes dificuldades na área da saúde é pesquisa é a comunicação. É dela
que dependem as relações humanizadas e a lisura dos processos. Para todas as questões críticas, a Igreja
ressalta a exigência fundamental do consentimento explícito, livre e
esclarecido. Nisso, graças a Deus, a Igreja não está sozinha. O primeiro documento relevante que estabeleceu
o critério do consentimento foi o Código de Nürnberg e depois foi assegurado em
outros códigos locais. Vale lembrar aqui como foi estabelecido nas leis
brasileiras.
Segundo
as normas vigentes no Brasil, entende-se o consentimento como exigência
fundamental do respeito à dignidade da pessoa. A resolução 466/12 (IV), do
Conselho Nacional da Saúde (CNS), garante o consentimento em todas as etapas da
pesquisa. O participante tem o direito garantido de exercer sua autonomia:
“IV
- DO PROCESSO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O
respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe com
consentimento livre e esclarecido dos participantes, indivíduos ou grupos que,
por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuência à
participação na pesquisa.
Entende-se
por Processo de Consentimento Livre e Esclarecido todas as etapas a serem
necessariamente observadas para que o convidado a participar de uma pesquisa
possa se manifestar, de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida.
IV.1
- A etapa inicial do Processo de Consentimento Livre e Esclarecido é a do
esclarecimento ao convidado a participar da pesquisa, ocasião em que o
pesquisador, ou pessoa por ele delegada e sob sua responsabilidade, deverá:
a)
buscar o momento, condição e local mais adequados para que o esclarecimento
seja efetuado, considerando, para isso, as peculiaridades do convidado a
participar da pesquisa e sua privacidade;
b)
prestar informações em linguagem clara e acessível, utilizando- se das
estratégias mais apropriadas à cultura, faixa etária, condição socioeconômica e
autonomia dos convidados a participar da pesquisa; e
c)
conceder o tempo adequado para que o convidado a participar da pesquisa possa
refletir, consultando, se necessário, seus familiares ou outras pessoas que
possam ajudá-los na tomada de decisão livre e esclarecida.
IV.2
- Superada a etapa inicial de esclarecimento, o pesquisador responsável, ou
pessoa por ele delegada, deverá apresentar, ao convidado para participar da
pesquisa, ou a seu representante legal, o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido para que seja lido e compreendido, antes da concessão do seu
consentimento livre e esclarecido.
IV.3
- O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá conter, obrigatoriamente:
a)
justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na
pesquisa, com o detalhamento dos métodos a serem utilizados, informando a
possibilidade de inclusão em grupo controle ou experimental, quando aplicável;
b)
explicitação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da participação na
pesquisa, além dos benefícios esperados dessa participação e apresentação das
providências e cautelas a serem empregadas para evitar e/ou reduzir efeitos e
condições adversas que possam causar dano, considerando características e
contexto do participante da pesquisa;
c)
esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência a que terão
direito os participantes da pesquisa, inclusive considerando benefícios e
acompanhamentos posteriores ao encerramento e/ ou a interrupção da pesquisa;
d)
garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de recusar-se a
participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem
penalização alguma;
e)
garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa
durante todas as fases da pesquisa;
f)
garantia de que o participante da pesquisa receberá uma via do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido;
g)
explicitação da garantia de ressarcimento e como serão cobertas as despesas
tidas pelos participantes da pesquisa e dela decorrentes; e
h)
explicitação da garantia de indenização diante de eventuais danos decorrentes
da pesquisa.
IV.4
- O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nas pesquisas que utilizam
metodologias experimentais na área biomédica, envolvendo seres humanos, além do
previsto no item IV.3 supra, deve observar, obrigatoriamente, o seguinte:
a)
explicitar, quando pertinente, os métodos terapêuticos alternativos existentes;
b)
esclarecer, quando pertinente, sobre a possibilidade de inclusão do
participante em grupo controle ou placebo, explicitando, claramente, o significado
dessa possibilidade; e
c)
não exigir do participante da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao
direito à indenização por dano. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
não deve conter ressalva que afaste essa responsabilidade ou que implique ao
participante da pesquisa abrir mão de seus direitos, incluindo o direito de
procurar obter indenização por danos eventuais.
IV.5
- O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá, ainda:
a)
conter declaração do pesquisador responsável que expresse o cumprimento das
exigências contidas nos itens IV. 3 e IV.4, este último se pertinente;
b)
ser adaptado, pelo pesquisador responsável, nas pesquisas com cooperação
estrangeira concebidas em âmbito internacional, às normas éticas e à cultura
local, sempre com linguagem clara e acessível a todos e, em especial, aos
participantes da pesquisa, tomando o especial cuidado para que seja de fácil
leitura e compreensão;
c)
ser aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP,
quando pertinente; e
d)
ser elaborado em duas vias, rubricadas em todas as suas páginas e assinadas, ao
seu término, pelo convidado a participar da pesquisa, ou por seu representante
legal, assim como pelo pesquisador responsável, ou pela (s) pessoa (s) por ele
delegada (s), devendo as páginas de assinaturas estar na mesma folha. Em ambas
as vias deverão constar o endereço e contato telefônico ou outro, dos
responsáveis pela pesquisa e do CEP local e da CONEP, quando pertinente.
IV.6
- Nos casos de restrição da liberdade ou do esclarecimento necessários para o
adequado consentimento, deve-se, também, observar:
a)
em pesquisas cujos convidados sejam crianças, adolescentes, pessoas com
transtorno ou doença mental ou em situação de substancial diminuição em sua
capacidade de decisão, deverá haver justificativa clara de sua escolha,
especificada no protocolo e aprovada pelo CEP, e pela CONEP, quando pertinente.
Nestes casos deverão ser cumpridas as etapas do esclarecimento e do
consentimento livre e esclarecido, por meio dos representantes legais dos
convidados a participar da pesquisa, preservado o direito de informação destes,
no limite de sua capacidade;
b)
a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles
participantes de pesquisa que, embora plenamente capazes, estejam expostos a
condicionamentos específicos, ou à influência de autoridade, caracterizando
situações passíveis de limitação da autonomia, como estudantes, militares,
empregados, presidiários e internos em centros de readaptação, em casas-abrigo,
asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes inteira
liberdade de participar, ou não, da pesquisa, sem quaisquer represálias;
c)
as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica deverão atender
aos seguintes requisitos:
c.1)
documento comprobatório da morte encefálica;
c.2)
consentimento explícito, diretiva antecipada da vontade da pessoa, ou
consentimento dos familiares e/ou do representante legal;
c.3)
respeito à dignidade do ser humano;
c.4)
inexistência de ônus econômico-financeiro adicional à família;
c.5)
inexistência de prejuízo para outros pacientes aguardando internação ou
tratamento; e
c.6)
possibilidade de obter conhecimento científico relevante, ou novo, que não
possa ser obtido de outra maneira;
d)
que haja um canal de comunicação oficial do governo, que esclareça as dúvidas
de forma acessível aos envolvidos nos projetos de pesquisa, igualmente, para os
casos de diagnóstico com morte encefálica; e
e)
em comunidades cuja cultura grupal reconheça a autoridade do líder ou do
coletivo sobre o indivíduo, a obtenção da autorização para a pesquisa deve
respeitar tal particularidade, sem prejuízo do consentimento individual, quando
possível e desejável.
Quando
a legislação brasileira dispuser sobre competência de órgãos governamentais, a
exemplo da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, no caso de comunidades
indígenas, na tutela de tais comunidades, tais instâncias devem autorizar a
pesquisa antecipadamente.
IV.7
- Na pesquisa que dependa de restrição de informações aos seus participantes,
tal fato deverá ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador
responsável ao Sistema CEP/CONEP. Os dados obtidos a partir dos participantes
da pesquisa não poderão ser usados para outros fins além dos previstos no
protocolo e/ou no consentimento livre e esclarecido.
IV.8
- Nos casos em que seja inviável a obtenção do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido ou que esta obtenção signifique riscos substanciais à privacidade e
confidencialidade dos dados do participante ou aos vínculos de confiança entre
pesquisador e pesquisado, a dispensa do TCLE deve ser justificadamente
solicitada pelo pesquisador responsável ao Sistema CEP/CONEP, para apreciação,
sem prejuízo do posterior processo de esclarecimento.”
Referências
bibliográficas:
CATECISMO
da Igreja Católica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola, 1999.
MINISTÉRIO
DA SAÚDE. Resolução 4662012
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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