"Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade desinteressada; a esse título, devem ser encorajados." (Catecismo da Igreja Católica, O quinto mandamento n. 2279).
... até à morte natural! Bem, até há alguns anos não era difícil pensar na morte natural. Dois fatores aumentam os questionamentos desta época: os avanços científicos que prometem vida sempre mais longa e a recusa sempre mais veemente da própria morte. Muitos só falam da morte em contextos fantasiosos. Mas como parte da própria vida? Dai ela chegar e tanta coisa não estar resolvida.
A Igreja Católica continua defendendo a vida até à morte natural e na perspectiva da esperança da Ressurreição. O fundamento desta sua missão ultrapassa qualquer reivindicação social pontual. Cuida da vida pelo fato de o ser humano ter sido criado à imagem de Deus [imago Dei]. Está na essência do ser humano ser imagem daquele que o transcende e que dá sentido de vida em qualquer fase e circunstância.
Este modo de ver a vida, tão distinto de tantos olhares utilitaristas, não a preserva de uma urgente necessidade de dialogar com todos os ambientes e saberes. Ao mesmo tempo que reconhece o valor das ciências para o cuidado da vida, também levanta questões éticas sobre o modo de conceber o ser humano no mundo científico. É sua missão ajudar a ciência a superar o reducionismo do ser humano, de agir de acordo com critérios éticos e humanitários.
E o que a Igreja ensina em relação à morte iminente?
No Catecismo, o quinto mandamento n. 2258-2330, a Igreja expõe a defesa da vida em toda a sua dimensão, inclusive apresentando alguns pontos difíceis e polêmicos. Aqui se trata de olhar um pouco sobre a vida na condição de fase terminal. Não se trata mais de procedimentos terapêuticos, pois já foram considerados desproporcionais, ou seja, não há mais efeito terapêutico. Ela ensina que se pode evitar a "obstinação terapêutica", o que implica na aceitação da morte. Trata-se de cuidar da vida ao proporcionar conforto e bem-estar na condição própria do fim da vida. Pode-se não querer submeter-se a procedimentos clínicos sem resultados terapêuticos, mas é preciso assegurar os procedimentos normais para o bem-estar físico, psíquico e espiritual. O cuidado fundamental começa pela alimentação, hidratação e higiene adequados. Nada disso pode ser suprimido. Além disso, na maioria dos casos, é preciso administrar medicamentos que amenizem a dor. Não se pode impor a aceitação da dor, mas compete à pessoa decidir até que ponto ela quer usar os meios disponíveis para tornar o momento suportável. Os questionamentos ficam por conta das consequências dos procedimentos, pois implicam também em riscos, entre eles, a perda da consciência e até à morte. Riscos que, se ponderados de forma consciente, sem intenção de abreviar a vida, e não havendo outro modo de amenizar a dor, podem ser moralmente admissíveis. A "intenção' acaba sendo elemento crucial. Corre-se, sim, riscos próprios do procedimentos, mas não desejados como fim próprio da ação. Sabe-se da fragilidade da vida nesta fase, age-se segundo as possibilidades disponíveis. Desde Pio XII, a Igreja vem refletindo sobre os tratamentos proporcionais e também as possibilidades clínicas que, embora existentes, podem ainda não estar disponíveis dentro de parâmetros possíveis. Ninguém pode culpar-se por não ter "feito tudo" ao não buscar tratamentos experimentais ou disponibilizados apenas em pequena escala em algum país longínquo e fora do alcance. Por outro lado, a acessibilidade universal à saúde requer muitas vezes um protagonismo - até na esfera judicial - para que seja garantido. Além do mais, o sistema de saúde também deve ocupar-se com pacientes em fase terminal. A não possibilidade do tratamento terapêutico não desobriga o sistema de cuidados de conforto e bem-estar. O cuidado da pessoa em fase terminal foge ao paradigma do utilitarismo, à mentalidade eficientista. Ali a pessoa está com seu ser pleno, com sentido e valor que ultrapassa a qualquer expectativa de mercado.
A morte faz parte da vida e é a fé na Ressurreição que lhe dá sentido pleno. Assim sendo, particularmente na fase terminal é preciso oferecer à pessoa uma experiência de sentido na esperança do encontro com o Senhor.
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