27 de jul. de 2017

Analgésicos e conforto

"Então vamos a mais uma questão: vou responder, na verdade, duas questões que ficaram em aberto antes do intervalo. É importante definir exatamente os termos relacionados ao fim da vida. Dizer que se tem uma questão de 'eutanásia', quando na verdade se está diante de um fim natural, já mostra a confusão. Há autores que classificam a eutanásia em diversas categorias de acordo com a situação. Como o questionamento foi feito no contexto cristão católico, buscamos também a resposta neste mesmo contexto. Na Encíclica João Paulo II, fala desta necessidade de definir claramente a terminologia. Diz ele: 'Para um correto juízo moral da eutanásia, é preciso, antes de mais, defini-la claramente. Por eutanásia, em sentido verdadeiro e próprio, deve-se entender uma ação ou uma omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento.' (Evangelium Vitae n. 65). Em vez das inúmeras categorias, é simples: existe uma ação intencional de provocar a morte para acabar com o sofrimento. É importante ressaltar a 'intenção' para que a eutanásia possa ser distinta de outras condições, pois também acontecem mortes em decorrência de procedimentos médicos, cuja intenção não foi esta e se dá num contexto onde era a única maneira de poder ajudar. Vejamos: 'Na terapia paliativa uma morte antecipada em consequência da administração de analgésicos representa um efeito indireto que, como todos os efeitos colaterais em medicina, pode ser incluída no princípio do duplo efeito, sempre que a dosagem for calibrada para a supressão [do sofrimento] e não para fazer cessar a vida do paciente.' (Comunhão e Serviço n. 92). Aqui nos deparamos com o princípio da proporcionalidade. Já o Papa Pio II falava de meios ordinários ou meios extraordinários, no debate bioético surgiu a ideia da futilidade médica e, finalmente, também se estabeleceu a terminologia meios proporcionais e meios desproporcionais. Adotamos a terminologia dos meios proporcionais e desproporcionais. Tudo para dizer uma grande verdade: o fim chegou e não há mais o que fazer, considerando-se as possibilidades da medicina. Ai está o cerne da questão. Quando a medicina esgota, há muito o que fazer no sentido humanitário, aqui iluminado pela fé cristã que traz em sua essência a caridade. Cuidar da pessoa nestas circunstâncias, é praticar a mais nobre caridade. De um lado, é preciso submeter-se a tratamentos clínicos por responsabilidade ética pela própria vida, porém, quando estes não têm mais efeito terapêutico, é hora de aceitar a finitiude da vida biológica. Os meios proporcionais são aqueles em que existe uma relação positiva entre a terapia adotada e o resultado esperado. Sim, esperado, porque há situações, especialmente neste campo, em que se pode fazer as coisas esperando se ter determinados resultados, mas não se pode garanti-los. Meios desproporcionais significam que não há mais efeito terapêutico a ser esperado. É justamente, por isso, que a não adoção de meios desproporcionais não pode ser considerada eutanásia. Simplesmente não se sujeita a pessoa a procedimentos que apenas prolonguem o sofrimento. Qualidade de vida nestas circunstâncias é a adoção dos cuidados paliativos. É justamente nestas condições que entra a preocupação com os analgésicos. Para amenizar a dor e, desta forma, promover conforto, é preciso, muitas vezes usar de analgésicos potentes. A morte decorrente, devido à fragilização da pessoa, não traz em seu objetivo a morte como fim, mas o cuidado humanitário. A permissão para o uso destes analgésicos passa também pela caridade cristã, desde que bem ponderado sob o aspecto do cuidado da pessoa. Sempre que surgirem novas possibilidades, com riscos menores, estas devem ser adotadas. Existe, portanto, a condição do 'não ter outra possibilidade de intervenção' a não ser esta. É o limite da medicina. Hoje também é necessário dar ênfase ao caráter de 'disponibilidade'. A ciência avança rapidamente e os resultados, mesmo conhecidos, podem ainda não estar disponibilizados de forma ampla. Há pessoas que não conseguem lidar com o fim da vida, por isso, quando responsáveis por uma pessoa em fase termina, em seu próprio benefício optam por adotar todos os meios possíveis, mesmo quando já não tem mais efeito positivo, para manter a vida de alguém. Muitas vezes, o prolongamento da vida está também na raiz do desejo da eutanásia. Saunders, que desenvolveu os hospices para cuidar das pessoa em fase terminal, constatou que a eutanásia também pode ser pedida por pessoas que perdem o sentido da vida assim que se deparam com os limites da medicina para seu caso. É caridade cristã criar ambientes de acolhida para que a vida possa ser vivida, com sentido, até ao seu final natural. Aceitada a condição de não ter mais uma terapia disponível, o paciente deveria ter tais ambientes disponíveis. Eles podem ser em instituição de saúde própria, em forma de home care, com cuidador da família ou outro, com apoio da equipe de saúde multidisciplinar. Chama-se este fim da vida 'natural' de ortotanásia. 
Então, não cabe aos cristãos, sair por ai escrevendo manchetes denunciando a prática de eutanásia dentro de suas próprias fileiras quando, na verdade, se trata de um fim de vida com todos os elementos cristãos. Constata-se muitas vezes que notícias sobre estas questões delicadas da vida são deturpadas em manchetes por falta de conhecimento de detalhes  que a definiriam melhor e, infelizmente, é este o único catecismo lido por católicos. A reprodução e compartilhamento, sem senso crítico, deste tipo de notícias além de denunciar o pouco fundamento da própria fé, contribui para que um número sempre maior de cristãos vai na onda daquilo que eles próprios denunciam.  

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