Thanatos, na mitologia grega, significa morte. O termo deu origem aos
neologismos próprios do fim da vida. Thanatos também deu origem ao termo que
define os estudos científicos sobre a morte: a tanatologia. Também deste termo
surgiram as palavras com sufixo tanásia (de
Thanatos) que especificam de forma precisa as diferentes condições do fim da
vida.
Com os avanços tecnológicos, lidar com o fim da vida tornou-se mais uma
questão de decisão do que de destino.
Iniciamos pelo termo mais conhecido, a eutanásia, usado por Francis
Bacon, em sua obra Historia vitae et mortis, 1623, com o significado de boa
morte. Boa morte significando intervenção para abreviar a vida, caso viver
signifique desconforto e sofrimentos.
Hoje classifica-se a eutanásia em algumas categorias distintas de acordo
com o procedimento adotado:
·
Ativa:
ação com intenção direta de provocar a morte;
·
Passiva:
morte decorrente de omissão intencional;
·
Duplo
efeito: morte como efeito colateral de uma ação com a intenção de amenizar o
sofrimento.
O duplo efeito,
quando garantida a intenção do bem-estar do paciente e está excluída a intenção
de provocar a morte, sendo esta apenas uma consequência natural, a Igreja Católica
considera admissível. Daí o cuidado preliminar de esclarecer a situação,
averiguar as reais intenções e conhecer profundamente o significado das
terminologias próprias do fim da vida. É admissível, porque não é eutanásia e,
sim, um procedimento próprio dos cuidados paliativos.
A possibilidade de prolongar, isto é, distancia a morte, denomina-se de
distanásia
O termo foi usado por Georges Morache, Naissance et Mort, Paris, 1904. A
distanásia se dá pelo uso desproporcional de terapêuticas e biotecnologias, ou
seja, a “obstinação terapêutica”. Usam-se meios terapêuticos, mesmo após ser
constatada a morte irreversível e iminente. Os pacientes geralmente passam
longos períodos em Centros de Tratamento Intensivo, sendo mantidos os sinais
vitais através de tecnologias complexas e onerosas em todos os sentidos. Os cuidados
clínicos não têm mais efeito terapêutico. A dificuldade de aceitar a finitude
da vida por parte dos profissionais de saúde, preparados para curar e não tanto
para cuidar, e dos familiares ou responsáveis, que não sabem lidar com uma
possível perda de um ente querido, muitas vezes apenas prolonga o sofrimento dos
pacientes uma vez que o ambiente de um CTI não permite os mesmos vínculos com os
familiares do que um outro ambiente no hospital ou, inclusive, em casa. É preciso assegurar: usar todos os meios
terapêuticos disponíveis desde que haja condições para que produzam efeito
positivo e não se tornem apenas processos de distanciar a morte.
Outro termo da área, bastante desconhecido, é mistanásia, ou seja, a
eutanásia social ou morte triste. O termo foi exposto de forma clara por Leonard
Martin, Introdução à Bioética, (1998). Trata-se da morte prematura em função de
omissão de socorro, erro médico, imprudência, negligência. O tratamento está disponível, mas alguns
fatores impedem que o paciente tenha acesso a ele. Geralmente são de ordem
socioeconômica, deficiências nos sistemas públicos de saúde bem como da
qualidade dos profissionais envolvidos na assistência. Neste último caso,
existe uma responsabilidade marcante desde a formação dos novos médicos e sua
habilidade de prestar assistência qualificada e humanizada e sua postura moral
e ética.
Se tanto a eutanásia, distanásia e mistanásia são moralmente
inadmissíveis, segundo o ensinamento do Magistério, temos de falar de ortotanásia,
ou seja, da morte natural. “A interrupção de procedimentos médicos onerosos,
perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode
ser legítima É a rejeição da ‘obstinação terapêutica’. Não se quer dessa
maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la” (CIC n. 2.278). O
legítimo é investir em terapêuticas enquanto há possibilidade de efeito
desejado, porém, quando da sua impossibilidade, aceita-se a morte como processo
inerente à própria vida. As decisões sobre a forma de cuidado terapêutico ou
não, no entanto, devem ser tomadas com o consentimento do paciente ou seu
representante legal. Aqui não se pode
esquecer a magnífica encíclica viva
de S. João Paulo II. Numa frase, na verdade suas útlimas palavras, ele selou o
pensamento da Igreja sobre a morte: “Deixem-me ir para a Casa do Pai! Algumas
pessoas não acostumadas com uma relação tão natural com a morte, fizeram duras
críticas quanto a esta postura de S. João Paulo II, sugerindo, inclusive, que
poderia ser eutanásia. Mas a esperança cristã nos coloca diante da morte como
passagem, chegada a hora, sabemos que devemos aceita-la não como um fim, mas como
sentido último da nossa própria vida na história.
Cicely Saunders (1918-2005), ao
se deparar com pacientes em fase terminal, ela constatou: mesmo aqueles que
desejavam a eutanásia, depois de receber atendimento humanizado, encontraram um
novo sentido para esta fase e condição de vida. Em 1967, ela fundou o Hospice
St. Christopher. Hospice, uma palavra inglesa, é não só um lugar, mas também
uma filosofia do cuidado para a humanização do fim da vida, ou seja, cuidados
paliativos. A ideia central é o cuidado e conforto físico, psíquico e
espiritual, o apoio aos familiares e cuidadores. A espiritualidade que, de
maneira única, é uma relevante dimensão capaz de garantir sentido de vida em
condições difíceis como é a experiência da finitude. Nesta fase, é importante
assegurar ao doente os laços sociais, o lazer adaptado às suas condições,
comunicação, autonomia, assistência espiritual segundo sua profissão de fé (no
caso dos católicos, a recepção dos sacramentos).
Sobre os cuidados paliativos, a Igreja ensina: "Os cuidados paliativos constituem uma forma
privilegiada de caridade desinteressada. Por essa razão, devem ser encorajados“
(CIC n. 2.279)
É especialmente neste tempo de cuidados paliativos que a pessoa se ocupa
com a morte. Para cada caso, existe um delicado processo de assimilar a
comunicação da de morte iminente. Elizabeth Kübler Ross (1926-2004), em 1969, escreveu
um livro conclusivo de sua experiência junto a pessoas diante da morte próxima.
Na publicação, On death and dying (Sobre a morte e o morrer), ela expõe alguns
passos que antecedem à morte. Assumimos aqui as diferentes manifestações da
pessoa, porém, a ordem e a intensidade e entendida como algo muito pessoal.
Isto porque pode haver avanços e recaídas. 1. Negação; 2. Raiva; 3. Barganha; 4.
Depressão; 5. Aceitação. No livro acima citado, lemos:
Negação:
“Não, eu não, não pode ser verdade!” (p. 51)
Raiva:
“Não, não é verdade, isso não pode acontecer comigo!” (p. 63)
Barganha:
“Se Deus decidiu levar-me deste
mundo e não atendeu meus apelos cheios de ira, talvez seja mais condescendente
se eu apelar com calma“ (p. 95)
Depressão:
“Estou tão triste, me sinto sozinho, me deixem em paz!”
Aceitação:
“Não tem mais o que fazer, vou me preparar!” (Disposto a resolver
questões pendentes).
O sentido cristão da morte
O paradigma da unitotalidade da pessoa, ou seja, da pessoa integral, sem
dicotomia corpo e alma, implica num modo próprio de lidar com a morte e a
realização de ritos próprios. “Graças a Cristo, a morte cristã tem um
significado positivo. (...) ‘Para os que creem em vós, Senhor, a vida não
acaba, apenas se transforma’” (Congregação para a Doutrina da Fé, 2016, n. 2).
Todo o rito fúnebre religioso está voltado à fé na ressurreição e o
respeito pela dignidade do corpo: “A grande dignidade do corpo humano como
parte integrante da pessoa da qual o corpo partilha a história”. (Congregação
para a Doutrina da Fé, 2016, n. 3).
Vislumbrando possibilidades sempre mais concretas de vida longa e ao
mesmo tempo com dificuldade de lidar com condições não superáveis,
desenvolveu-se nos últimos anos uma série de procedimentos para mascarar a
morte. A necromaquiagem disfarça de tal maneira a real condição do corpo, que
os sinais próprios de morte ficam mascaradas. Este cuidado excessivo, na
verdade, revela a dificuldade de se confrontar com a finitude.
Um ponto relevante sobre o cuidado do corpo, ou melhor, seu repouso
eterno é a questão da cremação. “A
Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis”, porém, a preservação
das cinzas deve ser em lugar sagrado (cf. Congregação para a Doutrina da Fé,
2016, n. 4).
Bibliografia
CATECISMO da Igreja Católica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola, 1999.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a Eutanásia.
Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html.
Acesso em: 20 mar. 2017.
______Instrução Ad
resurgendum cum Christo a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação
das (...) cinzas da cremação. Disponível em:<http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20160815_ad-resurgendum-cum-christo_po.html>.
Acesso em: 5 nov. 2016.
KÜBLER ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora
Martins Fontes, 1985.