12 de abr. de 2017

Thanatos: eutanásia, distanásia, mistanásia, ortotanásia, o que isso?

Thanatos, na mitologia grega, significa morte. O termo deu origem aos neologismos próprios do fim da vida. Thanatos também deu origem ao termo que define os estudos científicos sobre a morte: a tanatologia. Também deste termo surgiram as palavras com sufixo tanásia (de Thanatos) que especificam de forma precisa as diferentes condições do fim da vida. 
Com os avanços tecnológicos, lidar com o fim da vida tornou-se mais uma questão de decisão do que de destino.
Iniciamos pelo termo mais conhecido, a eutanásia, usado por Francis Bacon, em sua obra Historia vitae et mortis, 1623, com o significado de boa morte. Boa morte significando intervenção para abreviar a vida, caso viver signifique desconforto e sofrimentos.
Hoje classifica-se a eutanásia em algumas categorias distintas de acordo com o procedimento adotado:
·         Ativa: ação com intenção direta de provocar a morte;
·         Passiva: morte decorrente de omissão intencional;
·         Duplo efeito: morte como efeito colateral de uma ação com a intenção de amenizar o sofrimento.
O duplo efeito, quando garantida a intenção do bem-estar do paciente e está excluída a intenção de provocar a morte, sendo esta apenas uma consequência natural, a Igreja Católica considera admissível. Daí o cuidado preliminar de esclarecer a situação, averiguar as reais intenções e conhecer profundamente o significado das terminologias próprias do fim da vida. É admissível, porque não é eutanásia e, sim, um procedimento próprio dos cuidados paliativos.   
A possibilidade de prolongar, isto é, distancia a morte, denomina-se de distanásia
O termo foi usado por Georges Morache, Naissance et Mort, Paris, 1904. A distanásia se dá pelo uso desproporcional de terapêuticas e biotecnologias, ou seja, a “obstinação terapêutica”. Usam-se meios terapêuticos, mesmo após ser constatada a morte irreversível e iminente. Os pacientes geralmente passam longos períodos em Centros de Tratamento Intensivo, sendo mantidos os sinais vitais através de tecnologias complexas e onerosas em todos os sentidos. Os cuidados clínicos não têm mais efeito terapêutico. A dificuldade de aceitar a finitude da vida por parte dos profissionais de saúde, preparados para curar e não tanto para cuidar, e dos familiares ou responsáveis, que não sabem lidar com uma possível perda de um ente querido, muitas vezes apenas prolonga o sofrimento dos pacientes uma vez que o ambiente de um CTI não permite os mesmos vínculos com os familiares do que um outro ambiente no hospital ou, inclusive, em casa.  É preciso assegurar: usar todos os meios terapêuticos disponíveis desde que haja condições para que produzam efeito positivo e não se tornem apenas processos de distanciar a morte.
Outro termo da área, bastante desconhecido, é mistanásia, ou seja, a eutanásia social ou morte triste. O termo foi exposto de forma clara por Leonard Martin, Introdução à Bioética, (1998). Trata-se da morte prematura em função de omissão de socorro, erro médico, imprudência, negligência.  O tratamento está disponível, mas alguns fatores impedem que o paciente tenha acesso a ele. Geralmente são de ordem socioeconômica, deficiências nos sistemas públicos de saúde bem como da qualidade dos profissionais envolvidos na assistência. Neste último caso, existe uma responsabilidade marcante desde a formação dos novos médicos e sua habilidade de prestar assistência qualificada e humanizada e sua postura moral e ética.
Se tanto a eutanásia, distanásia e mistanásia são moralmente inadmissíveis, segundo o ensinamento do Magistério, temos de falar de ortotanásia, ou seja, da morte natural. “A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima É a rejeição da ‘obstinação terapêutica’. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la” (CIC n. 2.278). O legítimo é investir em terapêuticas enquanto há possibilidade de efeito desejado, porém, quando da sua impossibilidade, aceita-se a morte como processo inerente à própria vida. As decisões sobre a forma de cuidado terapêutico ou não, no entanto, devem ser tomadas com o consentimento do paciente ou seu representante legal.  Aqui não se pode esquecer a magnífica encíclica viva de S. João Paulo II. Numa frase, na verdade suas útlimas palavras, ele selou o pensamento da Igreja sobre a morte: “Deixem-me ir para a Casa do Pai! Algumas pessoas não acostumadas com uma relação tão natural com a morte, fizeram duras críticas quanto a esta postura de S. João Paulo II, sugerindo, inclusive, que poderia ser eutanásia. Mas a esperança cristã nos coloca diante da morte como passagem, chegada a hora, sabemos que devemos aceita-la não como um fim, mas como sentido último da nossa própria vida na história.
 Cicely Saunders (1918-2005), ao se deparar com pacientes em fase terminal, ela constatou: mesmo aqueles que desejavam a eutanásia, depois de receber atendimento humanizado, encontraram um novo sentido para esta fase e condição de vida. Em 1967, ela fundou o Hospice St. Christopher. Hospice, uma palavra inglesa, é não só um lugar, mas também uma filosofia do cuidado para a humanização do fim da vida, ou seja, cuidados paliativos. A ideia central é o cuidado e conforto físico, psíquico e espiritual, o apoio aos familiares e cuidadores. A espiritualidade que, de maneira única, é uma relevante dimensão capaz de garantir sentido de vida em condições difíceis como é a experiência da finitude. Nesta fase, é importante assegurar ao doente os laços sociais, o lazer adaptado às suas condições, comunicação, autonomia, assistência espiritual segundo sua profissão de fé (no caso dos católicos, a recepção dos sacramentos).
Sobre os cuidados paliativos, a Igreja ensina:  "Os cuidados paliativos constituem uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por essa razão, devem ser encorajados“ (CIC n. 2.279)
É especialmente neste tempo de cuidados paliativos que a pessoa se ocupa com a morte. Para cada caso, existe um delicado processo de assimilar a comunicação da de morte iminente. Elizabeth Kübler Ross (1926-2004), em 1969, escreveu um livro conclusivo de sua experiência junto a pessoas diante da morte próxima. Na publicação, On death and dying (Sobre a morte e o morrer), ela expõe alguns passos que antecedem à morte. Assumimos aqui as diferentes manifestações da pessoa, porém, a ordem e a intensidade e entendida como algo muito pessoal. Isto porque pode haver avanços e recaídas. 1. Negação; 2. Raiva; 3. Barganha; 4. Depressão; 5. Aceitação. No livro acima citado, lemos:
Negação:
“Não, eu não, não pode ser verdade!” (p. 51)
Raiva:
“Não, não é verdade, isso não pode acontecer comigo!” (p. 63)
Barganha:
 “Se Deus decidiu levar-me deste mundo e não atendeu meus apelos cheios de ira, talvez seja mais condescendente se eu apelar com calma“ (p. 95)
Depressão:
“Estou tão triste, me sinto sozinho, me deixem em paz!”
Aceitação:
“Não tem mais o que fazer, vou me preparar!” (Disposto a resolver questões pendentes).

O sentido cristão da morte

O paradigma da unitotalidade da pessoa, ou seja, da pessoa integral, sem dicotomia corpo e alma, implica num modo próprio de lidar com a morte e a realização de ritos próprios. “Graças a Cristo, a morte cristã tem um significado positivo. (...) ‘Para os que creem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma’” (Congregação para a Doutrina da Fé, 2016, n. 2).
Todo o rito fúnebre religioso está voltado à fé na ressurreição e o respeito pela dignidade do corpo: “A grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo partilha a história”. (Congregação para a Doutrina da Fé, 2016, n. 3).
Vislumbrando possibilidades sempre mais concretas de vida longa e ao mesmo tempo com dificuldade de lidar com condições não superáveis, desenvolveu-se nos últimos anos uma série de procedimentos para mascarar a morte. A necromaquiagem disfarça de tal maneira a real condição do corpo, que os sinais próprios de morte ficam mascaradas. Este cuidado excessivo, na verdade, revela a dificuldade de se confrontar com a finitude.
Um ponto relevante sobre o cuidado do corpo, ou melhor, seu repouso eterno é a questão da cremação.  “A Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis”, porém, a preservação das cinzas deve ser em lugar sagrado (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, 2016, n. 4).



Bibliografia

CATECISMO da Igreja Católica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola, 1999.

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a Eutanásia. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html. Acesso em: 20 mar. 2017.

 ______Instrução Ad resurgendum cum Christo a propósito da sepultura dos defuntos e da conservação das (...) cinzas da cremação. Disponível em:<http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20160815_ad-resurgendum-cum-christo_po.html>. Acesso em: 5 nov. 2016.

KÜBLER ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes, 1985.



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