30 de nov. de 2015

O respeito pela criação antes mesmo do apelo científico porque ....


"O que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível desde a criação do mundo através das criaturas" (Rm 1,19-20).


"For what can be known about God is plain to them, because God has shown it to them. Ever since the creation of the world his invisible nature, namely, his eternal power and deity, has been clearly perceived in the things that have been made"

,,Was man von Gott erkennen kann, ist ihnen offenbar; Gott hat es ihnenoffenbart. Seit Erschaffung der Welt wird seine unsichtbare Wirklichkeit an den Werken der Schöpfung mit derVernunft wahrgenommen, seine ewige Macht und Gottheit" (Röm 1,19-20)

23 de nov. de 2015

Enverstanden

Die Antwort gestern war: Bei den Deutsch-Übersetzungen ins Portugiesische war das immer klar wie Tief die Verbindungen der Sprachen mit der jeweiligen Kultur sind (MV)

12 de nov. de 2015

Teologia e Sustentabilidade - Theologie und Nachhaltigkeit

"Eine Theologie der 'Zeichen der Zeit' im Kontext von Nachhaltigkeit bleibt nie dabei stehen, Krisen, Katastrophen und 'Nachhaltigkeitslücken' aufzuzeigen, sondern verweist immer zugleich schon auf Hoffnungszeichen zu deren Bewältigung. Sie wandelt den Katastrophendiskurs in eine Hoffnungsdiskurs, ohne dabei die Möglichkeiten menschlicher Kräfte und technischer Lösungen zu überschätzen". 

"Uma teologia dos 'sinais dos tempos' no contexto da sustentabilidade nunca fica parado na apresentação das crises, catástrofes e 'lacunas da sustentabilidade', porém apresenta ao mesmo tempo sinais de esperança para sua superação. Ela transforma o discurso catastrófico em discurso de esperança, sem superestimar as possibilidades das forças humanas e das soluções tecnológicas".

(VOGT, Markus Prinzip Nachhaltigkeit, München: Oekom Verlag, 2010, p. 75)

9 de nov. de 2015

Schöpfungstheologie - Teologia da Criação

"Letztlich und grundsätzlich geht es auch in der Schöpfungstheologie um das Verhältnis Gott - Mensch. Dass die Welt als Schöpfung Gottes gerade in dieses Verhältnis, nämlich in den Bund Gottes mit den Menschen, einbezogen und integriert ist, das allerdings ist nun eine Erkenntnis jüdisch-christlicher Gläubigkeit, deren Tiefgang und Tiefweite gewiss lange übersehen und uns wohl immer noch nicht zureichend bewusst geworden ist". (Theodor Schneider, Was wir glauben. Düsseldorf: Patmos Verlag, 1985, S. 127).

"Em última análise e fundamentalmente, na Teologia da Criação, trata-se da relação Deus - ser humano. O fato de o mundo como Criação de Deus está inserido e integrado justamente nesta relação, ou seja, na Aliança de Deus com o ser humano, é um reconhecimento da crença judeu-cristã, cuja profundidade e extensão foi negligenciado por muito tempo e ainda não estamos o suficientemente conscientes". (Theodor Schneider, Was wir glauben. Düsseldorf: Patmos Verlag, 1985, S. 127 - Tradução: Geni Maria Hoss). 

4 de nov. de 2015

Fé - Espiritualidade - Sustentabilidade

"Se a relação do ser humano com o meio ambiente, na perspectiva cristã, se fundamenta essencialmente na fé criacional, sua raiz e motivação última, um estilo ecoamigável, ou seja, a práxis decorrente do conteúdo da fé a respeito da criação, requer um constante diálogo com os atuais paradigmas no campo da ecologia e do cuidado, ou seja, das ciências naturais e das ciências humanas. Neste estudo se trata de relacionar a fé criacional com as dimensões inerentes ao conceito de sustentabilidade, hoje no topo dos debates quando se trata das relações éticas com o meio ambiente. A sustentabilidade, termo atualmente usado em larga escala, não é novo, embora, para atender as novas demandas, tenha sido ampliado e se tornado mais complexo. Vogt, ao fazer referência ao uso da terminologia, levanta a questão: Sustentabilidade, uma “visão para um novo contrato social ou um bilhete de desejos sem compromisso”?[1]
Os bens naturais, especialmente quando se projeta sua carência para um futuro próximo entram no rol de debates tornando-se causa de conflitos ou então vítimas de acirradas disputas internacionais. Um grande emaranhado mundial em torno do petróleo dá conta do complicado processo gerado quando interesses econômicos se sobrepõem ao bem comum da comunidade humana e do meio ambiente. Vale mencionar também as questões em torno das florestas, das águas, do aquecimento global... Elas todas estão interconectadas e somente se forem consideradas em seu conjunto é possível chegar a um resultado favorável em vista de um futuro possível. Conflitos de toda a ordem incidem diretamente sobre a natureza, especialmente no uso inconsequente de armas com grande poder de destruição". (Geni Maria Hoss, 2013, p. 92)



[1] VOGT, 2010, p. 111: “Vision für einen neuen Gesellschaftsverlag oder unverbindlicher Wunschzettel?” (Tradução nossa).

3 de nov. de 2015

CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI, PAPA FRANCISCO, 2015. - Alguns pensamentos do documento pontifício -

 Geni Maria Hoss[1]

A Carta Encíclica é de grande relevância por sistematizar o pensamento ecológico à luz da fé cristã e interpelar os cristãos e todas as pessoas de boa vontade à responsabilidade ética para com o meio ambiente. Em se tratando do meio ambiente, da questão ecológica como tema teológico-pastoral no ambiente cristão, vários documentos e mensagens do Magistério e de Conselhos Pontifícios apresentaram reflexões sobre a questão socioambiental. O Papa Paulo VI, na mensagem enviada ao Secretário Geral da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, falava sobre empenho necessário para salvaguardar a “bonita casa, ordenada no respeito por todas as coisas” (PAULO VI, 1972). É também nesta época que surgiram vozes denunciando as comunidades judaico-cristãs de contribuírem substancialmente, a partir da leitura da Palavra Sagrada, na destruição do meio ambiente. Lynn White (1970), da Universidade da Califórnia, afirma que o poder dado pelo Criador permitiu o uso inconsequente dos bens da natureza. Carl Amery, publica o livro O fim da Providência: As consequências impiedosas do cristianismo (Cf. SATTLER; SCHNEIDER, 2002, p. 15)[2] , no qual sustenta que os cristãos têm responsabilidade pela atual crise ecológica. Em tempos mais recentes, Bernard Stefan Eck, ao fazer a análise crítica dos escritos de Albert Schweitzer sobre a ética pela vida, diz que “pode ser considerado como tragédia da vida de Schweitzer ter de filosofar sob o impacto do lixo do pensar e crer cristãos” (ECK, 2003) . É um tema transversal às diversas religiões, culturas e sociedades e a contribuição de cada segmento para a destruição dos bens comuns hoje e no futuro, só podem ser admitidas a partir do ser e estar no mundo inconsequente, motivado, entre outros, pelas facilidades, pelo hedonismo e pela busca desenfreada do sucesso meramente econômico.
Esta casa comum está correndo o grande risco de sucumbir e não poder mais abrigar a vida. Por isso, nos últimos anos, a questão ecológica vinha ocupando espaço, embora tímido, em documentos pontifícios e mensagens para determinadas ocasiões como congressos sobre o meio ambiente organizados pelas Nações Unidas (ONU) ou em datas relativas ao tema. Só para citar alguns, cabe aqui ressaltar a mensagem de São João Paulo II, em 1.º de janeiro de 1990, cujo tema “Paz com Deus – Paz com toda a criação!” se tornou como que um lema, cujos desdobramentos aparecem em diversas publicações teológicas sobre o meio ambiente. Vários parágrafos do Catecismo da Igreja Católica (1992) se ocupa com a questão da vida humana e de todas as formas da vida. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja – capítulo X: Salvaguardar o meio ambiente - (2004) integra o tema na questão social. A Comissão Teológica Internacional (2004) publicou o documento Comunhão e Serviço, sobre o ser humano imago Dei e lhe atribui a incumbência dada por Deus de ser “administrador das coisas visíveis”.
É louvável e oportuno que a Igreja tenha um documento, ou seja, a Carta Encíclica Laudato Si, onde sistematiza de forma ampla e integrada um tema de extrema relevância para os cristãos e toda a família humana. “Louvado sejas, meu Senhor”, título que remete ao Cântico das Criaturas, indica a visão da casa comum pautada no pensamento de São Francisco, que se tornou referência para diversos povos na relação com o as criaturas. A Terra, segundo afirma o Papa Francisco, “se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços” (1). Somos constituídos pelos mesmos elementos do planeta e isto nos identifica com todo o ser criado. Além disso, necessitamos das criaturas para existirmos: o ar, a água, as bactérias ...
A encíclica discorre sobre temas relevantes e convergentes sobre a vida sobre os desafios relativos ao cuidado do planeta e suas implicações na vivência da fé em Deus Criador de todas as coisas. Existem interdependências significativas tanto entre as diversas formas de vida bem como entre as diversas dimensões da família humana. Trata-se de uma abordagem ampla e de múltiplas interpelações para os cristãos e toda a família humana.
A Encíclica é composta por seis capítulos, assim distribuídos: 1. Confronto com a Bíblia e a tradição judaico-cristã. 2. Raiz dos problemas. 3. Tecnocracia e fechamento no ser humano. 4. Ecologia integral. 5. Vida social, econômica e política; diálogo. 6. Educação. Esta breve reflexão não avalia capítulo por capítulo, mas aborda pontos relevantes de cada capítulo, seguidos sempre do número correspondente na encíclica Laudato Si.

1            O cuidado da casa comum.


O cuidado da casa de todos é tarefa de todos. Por isso, o Papa Francisco se dirige de forma ampla “a cada pessoa que habita neste planeta” (3). “Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum”. Para os cristãos, o cuidado da criação é questão fundamental da fé. Retomando o pensamento de São João Paulo II, o Papa Francisco diz: “Os cristãos, em particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé” (64). Entende-se que os fiéis católicos são os primeiros destinatários da Carta Encíclica Laudato Si e são chamados a assumir com maior engajamento a incumbência confiada pelo próprio Criador, que significa uma “relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza” (67).

1.1         Aspectos introdutórios da encíclica Laudato Si.


A urgência socioambiental aponta para uma problemática comportamental do ser humano, para uma deficiência da educação para o cuidado da Terra, pois segundo o Papa Francisco “crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la” (2). E por termos sido destruidores vorazes do meio ambiente verificamos que “entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm 8, 22)” (2). A responsabilidade pelo cuidado socioambiental não é tarefa de determinados segmentos da sociedade, mas de todos, embora de forma diferenciada.
No lugar de uma abordagem catastrófica de muitos autores da área, lemos na encíclica uma mensagem de esperança, pautada na essência da fé cristã, sem, contudo, deixar de alertar para a seriedade da questão ecológica, que não é uma questão isolada. “Não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (49). É um desafio profundamente entrelaçado com a questão social. O cuidado do planeta exige sério comprometimento sustentado pela esperança, o que dá sentido à mudança de rumo. Diz o Papa: “A esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas” (61). O Papa pontua os principais riscos da nossa casa comum a serem superados para um mundo mais humanizado e harmonioso, é nestes aspectos fundamentais que a humanidade precisa tomar um novo rumo sob pena de sua própria extinção.

1.2         Urgências ecológicas.

Mudanças climáticas: Nas últimas décadas pesquisadores vem chamando a atenção para as mudanças climáticas[3]. A este respeito, diz o Papa Francisco: “As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo actualmente um dos principais desafios para a humanidade” (25). Ele continua: “O clima é um bem comum, um bem de todos e para todos” (23).  Como bem comum, mais uma vez são os mais vulneráveis, os pobres, que sofrem o maior impacto. Aqueles “que detêm mais recursos e poder económico ou político parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas” (26). Considerando os poucos resultados que se tem conseguido até agora, o Papa alerta: “A falta de reacções diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil” (25).  
A água: Sobre esta questão, o Papa diz: “o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos” (30). A escassez de água potável é tema de longa data por parte do Magistério, pois atinge especialmente os pobres, desprovidos de condições para possui-la, entre outros, pelo risco de privatização deste bem comum fundamental, por causa dos processos de distribuição ampla e justa onerosos e insuficientes, pelo excessivo consumo de água pelos latifúndios, pelos agigantados processos de industrialização para atender as demandas do consumismo.
A biodiversidade: cada ser vivo, cada elemento da natureza tem um valor em si mesmo e exerce importante função na relação com o todo. Nada é inútil ou fútil, cada coisa tem um sentido próprio. Cada elemento merece respeito e cuidado pelo fato de existir, porque este existir é dado por Deus. O domínio do ser humano – que nunca é absoluto - não pode se arrogar de destruir por interesses próprios o que Deus criou com amor e para o amor. “Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais que já não poderemos conhecer mais, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre” (33). Uma sociedade egoísta e consumista “faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limites” (34).  Os avanços tecnológicos permitem intervenções quase ilimitadas e exercem importante função na destruição da natureza. Mas também é através de tecnologias cada vez mais sofisticadas que são resolvidos os problemas criados pelo próprio ser humano. Por isso, de acordo com o Papa Francisco, “são louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano” (34).
A dívida ecológica: a divisão do mundo em Norte e Sul, por suas peculiaridades, requerem uma relação ética entre estes dois polos. As relações internacionais sempre foram díspares dadas as diferenças especialmente na área socioeconômica. Este fator impacta diretamente sobre as questões ecológicas e implica numa responsabilidade diferenciada no que concerne aos problemas ambientais. Existe “uma verdadeira ‘dívida ecológica’” (51), especialmente em se tratando das relações Norte-Sul. Cada qual tem uma responsabilidade concernente aos estragos em função de seu próprio desenvolvimento.
Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de todos os abandonados, excluídos e descartados da sociedade. O Papa Francisco reitera e acentua a “mudança de rumos”, pregada por São João Paulo II. Todas as pessoas e todas as instâncias religiosas e sociais necessitam de uma “conversão ecológica”. A “conversão ecológica” implica responsabilidade ética e compromisso para o cuidado da casa comum.  Este apelo nasce da esperança uma vez que pressupõe que “o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva” (58), ou seja, em forma de cuidado do meio ambiente. Ou seja, “a humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum” (13). É preciso saber assumir as próprias condições de ajudar a reconstruir e reconstituir o que foi depredado. O reconhecimento da necessidade de mudança e ação é um primeiro passo para que algo de positivo aconteça na relação com o meio ambiente. “Nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se” (205). 
Para o cuidado da casa comum é necessário um amplo e contínuo diálogo entre os diversos saberes, entre as religiões, entre os diversos segmentos da sociedade. O Papa Francisco reconhece o esforço empenhando para encontrar soluções para as questões ambientais, mas coloca a humanidade diante da realidade do que ainda é preciso ser feito, o que não é possível sem o diálogo e cooperação de todos. 
O Papa questiona: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer? (160)” Um questionamento que constitui a razão da Carta Encíclica Laudato Si e, por isso, é transversal a todos os temas abordados. A resposta é complexa dadas as interconexões das diferentes dimensões da vida no planeta. A única forma de vislumbrar um outro mundo passa pela abordagem que contemple os desafios das diferentes áreas que constituem o tripé da sustentabilidade: o campo econômico, social e ecológico.

2           Viver em Aliança: comunhão, relações e interdependências


Deus fez aliança com “todo o ser vivente” (Cf. Gn 9, 10-20) e não há como viver, estar vivo, se não for em aliança, o que implica profundas e constantes interdependências. A experiência de ser e estar no mundo se pauta na narração da criação. O que Deus criou é bom, mas o ser humano rompe e destrói o equilíbrio original estabelecido e desejado por Deus.

Essas narrações [da criação] sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado (66).

O pecado é ruptura de relações, destruição dos vínculos em todas as dimensões essenciais para se alcançar a plenitude da vida e permitir vida no planeta. A ruptura das complexas e saudáveis relações, no âmbito cristão, resulta de uma leitura e interpretação equivocada da Sagrada Escritura. “Nós, cristãos, algumas vezes interpretámos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas” (67).  O ser humano é chamado a “cultivar e guardar” (cf. Gn 2,15). Na carta encíclica Laudato Si lemos que “o meio ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos” (95). E ainda sobre o sentido da visão do mundo a partir da fé cristã: “O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (12). O cuidado incumbido por Deus ao ser humano é um cuidado desprendido e sempre direcionado para o Criador, pois conforme o Papa afirma, “o fim último das restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente connosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina” (83).  Para os cristãos, a criação não é divindade, mas expressão da grandeza e sabedoria do Criador. Nela ele se mostra aos olhos dos que não o podem ver ainda face a face. “O que é invisível n’Ele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras” (Rm 1, 20).

2.1         O ser humano e sua posição na criação.


A posição do ser humano não é do domínio absoluto, contudo preserva uma missão e características que lhe são próprias e o distinguem das demais criaturas.  O seu ser capaz de Deus, capaz de compreender as coisas e os processos que dinamizam a vida, capaz de tomar decisões e ser ético, implica usufruir os bens da terra necessários para a vida e a responsabilidade ética pelo cuidado dos mesmos.  Redimensionar o ser humano do domínio absoluto para uma experiência de vida compartilhada com as demais, segundo a encíclica, “não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que, simultaneamente, implica uma tremenda responsabilidade” (90). Por outro lado, continua o Papa, não se trata de uma divinização da terra, pois então “nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade. Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios, na tentativa de fugir da realidade que nos interpela” (90).
A comunhão, na experiência a partir da própria Trindade, nos aproxima de todas as criaturas de tal forma que “podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação” (89). Antes mesmo dos insistentes apelos dos saberes e da sociedade em geral, é na vida em aliança, em comunhão com Criador e todas as suas criaturas, onde estão as raízes e a motivação maior do cuidado socioambiental. Diz o Papa: “Nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (90).
Aqui se chega a um ponto controverso muitas vezes por falta de uma concepção integrativa da vida. Pode-se falar da impossibilidade de amar e cuidar de uns e de outros não, pois é a mesma experiência de vida e relação ética com a vida. O amor e a compaixão por uma determinada forma de vida repercute nas demais. Na encíclica lemos a este respeito: “Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos” (91).  Um ponto crítico é a relação ética com os animais. Se de um lado há uma relação conturbada que lhes tira a possibilidade de serem tratados segundo as exigências que lhe são próprias, por outro, muitas vezes estão subjugados aos mandos e desmandos que lhes causam danos e mortes desnecessários. O Papa diz: “Quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade” (92). A comunhão universal implica a inclusão de todas as criaturas e fortalecimento de laços de amor e respeito.

A indiferença ou a crueldade com as outras criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestar-se na relação com as outras pessoas. Todo o encarniçamento contra qualquer criatura ‘é contrário à dignidade humana’ (92).


2.2         Ecologia integral


Viver em aliança na prática supõe que se considere as complexas interações das diferentes criaturas e se entenda que tanto o ser individual único está colocado em seu lugar e posição com propósito próprio, mas também tem sentido e relevância o modo de estabelecer suas relações com o entorno. Não se trata de somar os individuais para se formar comunhão, pois esta não é uma mera somatória de indivíduos e coisas, mas é a forma de se inter-relacionar, ou seja, uma relação de amor em todas as direções.  Estas interações são sempre únicas e trazem uma nova dinâmica para o todo.
A ecologia integral, como é apresentada na encíclica Laudato Si, tem como propósito avaliar a posição do ser humano no contexto do meio ambiente e suas relações com este meio, ou seja, com palavras do Papa Francisco, é uma ecologia “que integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o circunda” (23). Embora o ser humano e as demais criaturas sejam distintos entre si e com o Criador, estão profundamente unidos e interconectados de forma que não se pode ver a natureza “como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida” (139). As relações humanas não se estabelecem apenas com o outro humano, mas também com as outras criaturas, ora de forma individual, ora em sociedade. Portanto, também os ambientes coletivos sociais e culturais integram o nosso emaranhado de relações. Desta forma afetam todas as nossas ações cotidianas. “Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: ‘toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais’” (142). As interações entre humanos passam pelas instituições e organizações que os representam e se propõem engajar pelos interesses comuns. Continua o Papa:

A ecologia social é necessariamente institucional e progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e a nação. Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as relações humanas (142).

Ecologia integral reforça as interações das esferas econômicas, sociais e ambientais, dimensões que constituem o tripé da sustentabilidade. “Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental” (139). A concepção de ecologia integral e integradora está profundamente interconectada com a noção de bem comum. O comprometimento com as questões sociais – a opção preferencial pelos pobres – “é uma exigência ética fundamental para a efectiva realização do bem comum” (158). Numa sociedade onde as estruturas socioeconômicas geram sempre mais pessoas privadas de condições econômicas, de direitos fundamentais são facilmente descartadas, é preciso mais do que regulamentações, um compromisso sério e contínuo em prol de uma sociedade mais justa e solidária. 
O que está na raiz do cuidado, para o cristão, é o sentido que lhe é dado pela fé. Trata-se de um chamado para cuidar de todas as criaturas segundo as leis inscritas pelo Criador, que confere a cada espécie um modo próprio de ser e estar no mundo. “Precisamente pela sua dignidade única e por ser dotado de inteligência, o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas, já que ‘o Senhor fundou a terra com sabedoria’ ( Pr 3, 19)” (69).
 

3           Desafios ecológicos e discípulos missionários ecoamigáveis


Para formar discípulos missionários ecoamigáveis é preciso entender a causa e a extensão da atual crise. Não é possível separar os campos acima mencionados, mas é preciso delinear cada dimensão para estabelecer critérios e prioridades para que uma solução seja possível. A análise da atual situação, conforme apresentado na encíclica permite “individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas” (15).

3.1         O paradigma tecnocrata - antropocentrismo exacerbado.


A tecnologia é abordada de forma incisiva pela sua relevância na atualidade. As novas tecnologias, cujo desenvolvimento muitas vezes ultrapassa a capacidade de assimilação do ser humano, invadem amplos espaços da vida cotidiana tanto no recinto privado e familiar bem como em nível de sociedade local e global. De um lado, reconhece-se a sua contribuição para a melhoria das condições de vida, de outro, são apontados os problemas que dela derivam quando usadas de forma inconsequente, ou seja, quando o bem do ser humano e de outras formas de vida são excluídas.
Em se tratando dos avanços tecnológicos, em princípio

é justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusiasmemos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes, porque ‘a ciência e a tecnologia são um produto estupendo da criatividade humana que Deus nos deu’ (102).

A par das possibilidades que se abrem com as tecnologias, elas concedem poderes antes desconhecidos. O alcance de tais poderes muitas vezes é imprevisível. Uma análise apurada demonstra a problemática deste empoderamento tecnológico quando não orientado para o bem-estar do ser humano e de todas as formas de vida e seu entorno. Os grandes problemas surgem quando se exclui o ser humano e quando se pretende usar as novas tecnologias como único meio para resolver problemas de magnitude global através de ações pontuas e desconectadas. O Papa alerta: “Na realidade a tecnologia, que, ligada à finança, pretende ser a única solução dos problemas, é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um problema criando outros” (20). A tecnologia exclusivamente a serviço de uma economia que não tem o ser humano e todas as formas de vida como centro traz consequências deploráveis, pois se torna como que uma máquina de gerar sempre mais excluídos e descartados da sociedade. O grande poder reinante hoje, mediante o qual se inclinam também as grandes potências mundiais, como países ou blocos, é a economia empoderada e qualificada pelas vantagens das novas tecnologias no intuito de lucros sempre maiores, mais fáceis e mais rápidos. Sobre esta problemática, o Papa Francisco lembra: “A aliança entre economia e tecnologia acaba por deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus interesses imediatos” (54).  Não se pode ignorar que aqueles que detêm o poder e o conhecimento, de acordo com o Papa, exercem “um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro” (104). A exploração da natureza e das populações mais vulneráveis é ainda mais voraz com o uso inconsequente das tecnologias visando apenas lucros fáceis e gigantescos, sem considerar as necessidades humanas e do planeta. A lógica da dominação tecnocrata é hoje um dos maiores desafios. O domínio tecnocrático deteriora e destrói a economia e política fazendo com que as instâncias de promoção da pessoa e da sua rede social agora são questionáveis. O Papa Francisco diz neste contexto: “O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política” (109). A autorregulação do mercado como se espera em países democráticos não acontece, pois é regulado por dinamismos adversos ao bem-estar da pessoa, da sociedade e do planeta.
Uma das questões cruciais quando se trata de analisar os desafios relativos ao meio ambiente e as interconexões com as outras áreas é a posição do ser humano no todo da criação e sua missão a partir do lugar que ocupa como ser pensante e capaz do agir ético. O excesso de antropocentrismo leva o ser humano a concentrar-se demasiadamente em si próprio e no poder que presume ter. E do exercício deste poder nasce a lógica da dominação, do descartável tanto em relação ao ser humano como todos os bens da natureza. Uma lógica que leva à escravidão e ao abandono das periferias da vida.  É esta mesma lógica que está atrás do comércio e tráfico de animais (cf. 123).
Entre as dimensões da vida humana imprescindíveis para uma ecologia integral é o complexo mundo do trabalho como fator de dignificação e da promoção da pessoa. No entanto, os atuais paradigmas no mundo da economia e, consequentemente na política a ela submissa, o trabalho é regido muitas vezes por processos de exploração, tirando-lhe a dimensão de ser um espaço de autorrealização e criatividade humana. “Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho” (124). O trabalho geralmente é relacionado com a sobrevivência, bem-estar e possibilidade de enriquecimento. No entanto, na perspectiva cristã, não se pode esquecer da incumbência dada por Deus de cuidar do jardim e o domínio que, na verdade, é participação dos processos de vida no planeta.

Na realidade, a intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela, porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas: ‘O Senhor produziu da terra os medicamentos; e o homem sensato não os desprezará’ ( Sir 38, 4) (124).

Um desafio a mais na relação com a casa comum é o reconhecimento dos limites do progresso. Este aspecto levanta sempre mais questionamentos sobre a responsabilidade ética na intervenção do ser humano na natureza.

Contemplando o mundo, damo-nos conta de que este nível de intervenção humana, muitas vezes ao serviço da finança e do consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem limites (34).

É uma questão complexa, mas que deve ser encarada com responsabilidade. A exploração econômica da natureza muitas vezes vem acompanhada de projetos pontuais e desconexos como forma de justificar a intervenção inconsequente. Em todos os lugares e na sociedade global não há políticas que preservem a natureza no seu curso de autorregeneração. A posse sempre mais ampla de terras com auxílio das mais avançadas tecnologias geram pobreza e exclusão de muitas pessoas antes ocupados em pequenas propriedades, de cultivo ecologicamente equilibrado e, na maioria das vezes, e intervém de forma negativa na biodiversidade – no conjunto de ecossistemas, essenciais para a vida do planeta (cf. 134ss). Por isso, o Papa conclama:

É preciso assegurar um debate científico e social que seja responsável e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome. Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa, mas é seleccionada de acordo com os próprios interesses, sejam eles políticos, económicos ou ideológicos. Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões, tendo presente todas as variáveis em jogo. É necessário dispor de espaços de debate, onde todos aqueles que poderiam de algum modo ver-se, directa ou indirectamente, afectados (agricultores, consumidores, autoridades, cientistas, produtores de sementes, populações vizinhas dos campos tratados e outros) tenham possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro (135).

3.2         Pistas de ação – educação socioambiental.


O grande desafio da Igreja e da sociedade como um todo é tornar realidade as urgências socioambientais, deduzidas a partir da atual situação socioambiental. É preciso identificar caminhos concretos para que as mudanças necessárias aconteçam. Segundo o Papa Francisco, “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo” (118). Por este motivo, não se pode separar o reconhecimento da necessidade de mudanças com a formação consistente e permanente dos cristãos, dos discípulos missionários ecoamigáveis. A análise precisa necessariamente virar proposta. E a proposta precisa encontrar eco em pessoas e instâncias de gestão dispostas a torna-la realidade. No ambiente particular, mas especialmente em nível global onde os grandes desafios devem estar na ordem do dia, a resposta aos apelos em prol da vida no planeta é fraca e insuficiente.

Preocupa a fraqueza da reacção política internacional. A submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afectados os seus projectos (54).

Para o Papa é importante que se encontrem caminhos concretos amplos, pois precisamos de políticas internacionais e locais “que nos ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a afundar” (163).  A própria encíclica pretende ser uma importante contribuição para que se chegue a uma prática coerente e eficaz no cuidado do meio ambiente. “A Igreja não pretende definir as questões científicas, nem substituir-se à política, mas convido a um debate honesto e transparente para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum” (188). O diálogo e transparência são fundamentais para que os projetos sejam efetivamente inofensivos ao meio ambiente, ou mais ainda, sejam benéficos à medida que o impacto ambiental seja de caráter positivo.

A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e projectos requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo (182).

Após várias tentativas de acordos internacionais sobre políticas e ações em prol do ambiente, cabe também uma chamada para a responsabilidades das lideranças políticas. Um outro mundo somente é possível se cada um faz sua parte, mas também se as autoridades adotarem novos critérios e saibam se contrapor às pressões vindas de segmentos com interesses manifestos adversos ao cuidado do bem comum.

Para um político, assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não corresponde à lógica eficientista e imediatista actual da economia e da política, mas, se ele tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história, um testemunho de generosa responsabilidade. Importa dar um lugar preponderante a uma política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-la e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas (181).

Além dos grandes programas globais cabe uma participação efetiva da gestão local. Em nível local as responsabilidades se disseminam até alcançar cada ser humano, cada cristão. “A acção política local pode orientar-se para a alteração do consumo, o desenvolvimento duma economia de resíduos e reciclagem, a protecção de determinadas espécies e a programação duma agricultura diversificada com a rotação de culturas” (180).

Uma reação à altura dos atuais desafios socioambientais começa por uma educação sólida e permanente que resulte numa mudança de estilo de vida. Este novo estilo requer um grande processo educativo, pois, segundo o Papa francisco, “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo” (118).  Não se trata de mudar aspectos parciais da vida, mas de mudar um modo de estar no mundo. O “sistema normativo” (53) sugerido pelo Papa Francisco é extremamente importante, pois é necessário que se estabeleçam os limites necessários e ações proativas de proteção aos ecossistemas. No entanto, uma mudança de paradigmas não se impõe só por regulamentações. Por isso, a dedicação de amplo espaço da encíclica à educação. Um novo modo de pensar e agir – uma cultura do cuidado – implica uma adesão da pessoa como um todo. Trata-se de promover um novo comportamento que tenha na sua base o conhecimento e reconhecimento de tudo o que implica cuidar de todas as formas de vida e de todo o planeta, ou seja, sua fundamentação e seu sentido.
Um novo modelo, um novo modo de estar no mundo, concorrem com os constantes apelos de uma sociedade do consumo, do conforto e onde prevalece o hedonismo. As necessidades criadas e sugeridas pelo sistema vigente requerem uma sempre maior exploração do ambiente. Daí a importância de uma educação fundamentada em valores consistentes e convincentes.

A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado (215).

Requer-se, portanto, uma autêntica conversão ecológica, pois a crise ecológica é também uma crise cultural. O desafio de mudar hábitos e comportamentos implica num processo contínuo e não em fragmentos pontuais. Por isso, envolve todas as instâncias educacionais desde “a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese” (213).
O Papa Francisco sugere ações cotidianas que em seu conjunto fazem a diferença e transforma cada cristão, cada cidadão partícipe de um mundo novo possível.

A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência directa e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano. Voltar – com base em motivações profundas – a utilizar algo em vez de desperdiçar rapidamente pode ser um acto de amor que exprime a nossa dignidade (211).

Uma mudança de estilo de vida não se reduz ao controle do modo de consumo próprio, mas inclui também o exercício da cidadania, ou seja, o empenho para “exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político, económico e social” (206). O consumidor cria as demandas, por isso pode e deve promover, por esta força que lhe é própria, “a mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção” (206).


Considerações Finais

“Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabeleceu leis a que não se pode fugir! (Sl 148, 5b6)”.
O apelo maior para os cristãos é reconhecer as demais criaturas com um fim próprio, com suas peculiaridades e exigências próprias. Estas características que são próprias de cada criatura é como que uma descrição divina sobre o modo de cuidá-la. As criaturas louvam a Deus por sua existência, portanto, cabe ao ser humano cuidar de cada uma com carinho especial, sabendo-se incumbido por Deus para tal missão.
A problemática das questões socioambientais não reside no uso destes para o bem-estar do ser humano e sua sobrevivência, mas no abuso que se faz ao desrespeitar suas leis internas, segundo as quais tem uma dinâmica de vida própria. A velocidade da exploração dos bens da natureza é incompatível com o processo de regeneração ambiental. Ela não é determinada pelo uso consequente e responsável dos bens da natureza, mas pela exploração inescrupulosa para atender as exigências de uma sociedade consumista, imediatista e egoísta.

A encíclica aborda diversas dimensões da atual crise que, na percepção de São João Paulo II, em sua Mensagem da Paz, de 1990, não é uma mera crise ecológica, mas um reflexo da crise moral.

Referências

COMISSÃO Teológica Internacional. Comunhão e Serviço: A pessoa humana criada à imagem de Deus, 2004. Disponível em:
<http://www.vatican.va/roman_curia/ congregations/cfaith/cti documents/rc_con _cfaith_ doc_20040723_communionstewardship_po.html> Acesso em: 25 ago. 2013.

ECK, Stefan Bernhard. Auf dem Prufstand: Albert Schweitzer und die Ethik der Ehrfurcht vor dem Leben, 2002. Disponível em: <http://www.tierschutzpartei.de/pdf/Schweitzer_book.pdf. Acesso em: 10. nov. 2013.
 
JOÃO PAULO II, Paz com Deus – Paz com toda a criação, 1990. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/messages/peace/documents/hf_jp-ii_mes_19891208_xxiii-world-day-for-peace_po.htm>l. Acessado em: 23 jul. 2012.


LYNN, White. The Historical Roots of Our Ecological Crisis. Disponível em: <http://www.uvm.edu/~gflomenh/ENV-NGO-PA395/articles/Lynn-White.pdf. Acesso em: 20 out. 2012.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si, 2015. Disponível em:
http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf. Acesso em: 08 jul 2015.

PAULO VI. Mensagem enviada ao Secretário Geral da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972. In: SEDOC 5 (1972-1973) col. 159-162.

SATTLER, Dorothea. SCHNEIDER, Theodor. Doutrina da Criação. In: SCHNEIDER, Theodor (Org). Manual de Dogmática. Petrópolis: Vozes, 2002, Vol. 1.






[1] Docente e pesquisadora na área de Teologia e Bioética, geni.maria@yahoo.com.br
[2] Título original: Das Ende der Vorsehung. Die gnadenlosen Folgen des Christentums. [Tradução nossa]
[3] O segundo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), 1995, conclui que há influência humana no clima.