25 de fev. de 2018

Espiritualidade e dependência química

Das andanças com inúmeras assessorias em grupos de dependência química, fica uma lição: seja o que for, a espiritualidade não deprecia. 
Hoje a história é de um dia daqueles que nos leva a refletir sobre o sentido último da nossa vida.
Estávamos falando num grupo sobre as coisas mais importantes da nossa vida. O tema era fé e espiritualidade, portanto, de adesão livre, ao lado de tantos outros grupos terapêuticos, cuja participação era obrigatória uma vez que se tratava de um processo terapêutico institucionalizado.
Estávamos fazendo um intenso intercâmbio de experiências. Percebi então que um dos quarenta participantes (chamamos aqui de João) não estava, de fato, atento ao que se passava no grupo. Pensei em lembrá-lo que a participação era por livre opção e que a cada momento se poderia retirar. Mas, por fim, ficou por isso mesmo. 
Na verdade, João pegou um papel da lixeira logo ali no canto e com um lápis escrevia neste papel. Quando o nosso encontro foi encerrado, como de costume, me despedi individualmente de cada participante. Quando me despedi de João, ele me deu um papel, sim, aquele papel que havia retirado do lixo e onde escreveu alguma coisa.
Chegando à minha sala de trabalha, com tempo e tranquilidade, li o bilhete.... Não cabe aqui citá-lo literalmente. Em poucas palavras, João havia escrito neste pequeno papel, de forma breve sua própria biografia e ao mesmo tempo se despedia da vida. Estava consciente da desgraça que são as drogas para a saúde física, psíquica e espiritual do ser humano. Estaria ele exagerando? Não, a sua condição física denunciava a destruição em estágio avançado. Sim, ele tinha razão... o nosso ser físico,-psíquico-espiritual tem uma imensurável capacidade de resiliência, mas ele também tem seus limites.
João, no final, agradecia de forma singela a oportunidade que teve de fazer uma experiência de fé e espiritualidade. Não tinha expectativas de dias melhores no sentido de realizar muitas coisas em vida, mas começou a reconhecer os seus dias, mesmo que na sua perspectiva, não seriam muitos, tinham um sentido para além dos sentidos atrelados à efetividade e graus de produção. 
A lição vale para ajudarmos melhor às pessoas antes de chegarem ao fim do posso! O sentido de vida ancorado na espiritualidade pode apontar para um horizonte de vida pelo qual val investir tudo. Não basta existir, é preciso saber viver com sentido. Este sentido último é a luz que ilumina o caminhar. É justamente quando se anda na escuridão da vida sem sentido que, muitas vezes, se busca um sentido frágil e passageiro nas múltiplas dependências possíveis. Aqui não se quer afirmar que não há outros fatores que abrem o caminho para a dependência química, mas este é um fator relevante que não pode ficar omisso.

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