18 de nov. de 2017

Papa Francisco: critério ético da proporcionalidade.

"A pessoa doente assume o papel principal. Diz isto com clareza o Catecismo da Igreja Católica: “As decisões devem ser tomadas pelo paciente, se tem para isto a competência e a capacidade”. É antes de tudo ele que tem título, obviamente em diálogo com os médicos, de avaliar os tratamentos que lhe são propostos e julgar a sua efetiva proporcionalidade na situação concreta, tornando desejável renunciar a eles se tal proporcionalidade fosse reconhecida como ausente”. 
(Papa Francisco, 16/11/2017, mensagem Meeting Regionale Europeo della World Medical Association [Congresso Regional Europeu da Associação Médica Mundial]. 

Certo é que o termo eutanásia está na ordem do dia... Ortotanásia veio a público quando a classe médica achou por bem orientar os seus profissionais a respeito de forma que pudessem ter um suporte legal para as práticas médicas. E distanásia? Muito impactante na atitude de João Paulo II: "Deixem-me ir para a Casa do Senhor!"
Muitas polêmicas em relação à Igreja Católica resultam da falta de conhecimento das terminologias e dos ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica (diga-se aquele promulgado em 1992). O Papa Francisco pautou sua fala no próprio catecismo, o mesmo que vem orientando os bioeticistas cristãos católicos para se pronunciarem em questões críticas. Portanto, não é novidade, apenas quem precisa de leitores ou ignora os ensinamentos da Igreja Católica, está hoje "sensacionalizando" as palavras do Papa. 

Sobre as terminologias. A eutanásia, embora de conhecimento de longa data, tem interpretações diferenciadas. É preciso ter isto bem claro em mente para algumas situações criticas não coincidirem com a definição de eutanásia. Há pensadores que a classificam em diversas categorias e com isso, em algum momento, consideram eutanásia, o que na verdade é um efeito de intervenção clínica onde a morte não era desejada, apenas tolerada pelo estado crítico da pessoa.
Para a Igreja a eutanásia é uma ação bem objetiva: existe a intenção de interromper a vida para libertá-la de dor e 'falta de qualidade':  "Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível" (CIC 2277). Esta ação é eutanásia. Vejam que em condições comuns (saúde razoável), outros meios (arma de fogo, etc) e o ato de tirar a própria vida, embora no fim o resultado seja o mesmo, é suicídio/homicídio. 
Importante é salientar a intenção com que se faz a ação. As intervenções clínicas com a intenção  de aliviar a dor e que não tenham o propósito de interromper a vida são admissíveis, mesmo que não se possa garantir os resultados positivos desejados através do procedimento. "O emprego de analgésicos para aliviar os sofrimentos moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável" (CIC 2279). Precisa ficar muito clara a intenção de "interromper a vida", pois esta é radicalmente condenada, segundo o Catecismo da Igreja Católica. Portanto, a morte decorrente de intervenção clínica que não pretendia a morte, mas acabou acontecendo não é eutanásia. Por isso, antes de debater sobre o assunto é preciso ter clara o significado da terminologia. 
Que a Igreja não aprova a eutanásia é praticamente de conhecimento público, o que, no entanto, impactou na fala do Papa é a sua defesa para não incorrer na distanásia uma vez que as novas tecnologias, ao lado dos grandes benefícios, permitem manter artificialmente a vida por períodos de tempo bastante significativos. O Papa se reporta ao catecismo, que diz: "A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da 'obstinação terapêutica'. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la"  (CIC 2278). Com a possibilidade de prolongar a vida - para além do seu processo natural - levantam-se questionais que relacionam os "meios desproporcionais aos resultados desejados", ou seja, são meios que já não tem mais resultados terapêuticos. Eles apenas contribuem para "prolongar a vida artificialmente", ou melhor, 'distanciam a morte', o que constitui a terminologia distanásia. Morte natural implica, sim, nos meios terapêuticos disponíveis, mesmo de alta complexidade, porém, que ainda tenham o resultado esperado da terapia. Pode, por isso, o paciente e seus familiares ou responsáveis legais renunciar ao 'prolongamento artificial da vida', porém, não interrompê-la. Por vezes, estas situações se tornam confusas, particularmente quando não se tem um domínio da diferenciação de cada situação ou há dificuldade de se aceitar a finitude da vida. Segundo Francisco (2017): "é moralmente lícito renunciar à aplicação de meios terapêuticos, ou suspendê-los, quando o seu emprego não corresponde àquele critério ético e humanista que será mais tarde após definido “proporcionalidade dos tratamentos”. Muitas vezes é mais uma dificuldade de quem fica do que do próprio paciente, que já não pode mais opinar. Aceitar a morte como parte da vida e decidir pelo seu fim natural requer clareza sobre a situação, portanto, é preciso haver diálogo com a equipe médico, exames clínicos seguros e também que esta decisão seja tomada em liberdade e responsabilidade, conforme prevê o catecismo: "As decisões devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso; caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente. (CIC 2278). 
Portanto, em hipótese alguma eutanásia e evitar a distanásia. Não interrompendo a vida e optando por evitar a distanásia, então chegamos à opção livre e responsável pelo fim natural da vida que é a ortotanásia. Ortotanásia é dispensar todo o cuidado clínico disponível onde são ponderas os procedimentos clínicos com os resultados esperados, sem prática de eutanásia ou distanásia, e oferecendo ao paciente o melhor bem-estar possível. Uma vez identificada a condição de paciente terminal, oferecem-se os cuidados paliativos. Cuidados estes que não são um paliativo como geralmente se entende, mas cujo termo se origina de "pálio", ou seja, manto protetor. Neste caso, não há mais tratamento, mas proteção e cuidado para o conforto em todas as dimensões da vida. Assim é relevante que o paciente, se possível, possa estar em seu ambiente familiar e ter a garantia de cuidados físicos, psicológicos, espirituais... "Os cuidados paliativos constituem uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados" (CIC 2279). Quando se trata do fim da vida, não basta dizer o que é certo e admissível moralmente, mas é preciso exercitar a caridade cristã em forma de cuidado. Pensemos, por isso, em nossas comunidades eclesiais e reflitamos se temos estruturas humanas e físicas preparadas para acompanhamento de pessoas em fase terminal, oferecendo-lhes conforto em todas as dimensões da vida. Como os doentes em fase terminal são integrados na comunidade? Ou simplesmente desaparecem?  
Particularmente a partir de nossa perspectiva lationamericana, são válidas as palavras do Papa Francisco, que chama a atenção da desigualdade de acesso aos cuidados de saúde, especialmente quando implica em tecnologias de alta complexidade, que muitas vezes dispensa a ponderação sobre a proporcionalidade do tratamento: “presente também dentro dos países mais ricos, onde o acesso aos tratamentos corre o risco de depender mais da disponibilidade econômica das pessoas do que das efetivas exigências de tratamentos” (Papa Francisco, 2017).

Bibliografia

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1992.

PAPA FRANCISCO, 16/11/2017, mensagem Meeting Regionale Europeo della World Medical Association [Congresso Regional Europeu da Associação Médica Mundial], disponível em: www.news.va.  

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