17 de abr. de 2016

“A caridade edifica!” (1 Cor 8, 1) - Caridade nas palavras de Francisco -

Geni Maria Hoss*
A caridade é o amor que edifica o irmão, o que implica extrema sensibilidade para as necessidades do outro. Não há realidade humana que não seja relevante para a missão da Igreja, todas as necessidades, sejam elas de ordem espiritual, psicológica ou material, a interpelam pois o “mandato de caridade alcança todas as dimensões da existência, todas as pessoas, todos os ambientes da convivência e todos os povos.”[1] Ademais, “o serviço da caridade é uma dimensão constitutiva da missão da Igreja e expressão irrenunciável da sua própria essência” (EG 179). Não há, portanto, adesão a Cristo desvinculado da caridade. O anuncio traz inerente a mensagem da caridade. A fé cristã não é professada de forma individualista, mas em comunhão com os irmãos, por isso, “o conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade.” (EG 176). A opção preferencial pelos pobres (cf. EG 198) é uma expressão da mensagem evangélica imprescindível, tomando formas de concretização variadas de acordo com os desafios de cada época e lugar. Mas na essência é a vivência da caridade que está em causa.  Dada a relevância desta dimensão da fé, o Papa Francisco adverte para que não seja relegada a segundo plano em forma de uma “caridade por receita”, o que significa “uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência”. (EG 180) Aqui voltamos para o ensinamento de Paulo: “A caridade edifica!” (1 Cor 8, 1). Para este fim, ela deve ser vivida de forma concreta tendo como critério o bem do outro, o que implica envolvimento, engajamento profético e transformador das realidades humanas.
O Papa Francisco revela ao longo de seus discursos, homilias e documentos as diversas facetas da caridade, atualizando-as para que se possa dar uma resposta efetivamente humanitária e edificante diante das atuais interpelações a partir das necessidades pessoais, comunitárias locais e da comunidade global.

A caridade no exercício da cidadania e no mundo político.

O Papa Francisco afirma que a caridade “é o princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, económicos, políticos”[2]. Perceber-se como cristão cidadão participativo em prol do bem comum como expressão da caridade não é uma realidade consolidada. Há muitos questionamentos se a Igreja deve “intrometer-se na política”, confundindo-se a politicagem irresponsável e interesseira sem foco no bem comum. No entanto, os cristãos devem estar conscientes de que “a política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum.” (EG 205). Segundo a Doutrina Social ensina que a “adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum”[3]. O campo da política em todas as esferas deve ser um espaço de testemunho e engajamento profético nas realidades humanas, porém, sempre como um crítico dos sistemas, cujos interesses são adversos ao do bem comum.  Exercendo o controle social, entre outros, os cidadãos ajudam os seus representantes a cumprir sua missão, pois “os partidos são chamados a interpretar as aspirações da sociedade civil orientando-as para o bem comum.” (DSI 413.
A eleição dos representantes é relevante, mas não constitui o todo de uma democracia. Os cristãos, como forma de viver a caridade, mesmo que não afiliados de partidos ou lideres eleitos, são chamados ao engajamento profético em diversos espaços de ação em favor do bem comum que cabem aos cidadãos numa democracia, tais como: liderança comunitária nos conselhos locais de saúde, segurança, participação de assembleias locais e nacionais da saúde, controle social, denúncias de corrupção pelas ouvidorias, participação na elaboração da lei de diretrizes orçamentárias da cidade, etc. 
Outro desafio para os cristãos é a educação para que se formem líderes políticos efetivamente focados no bem comum, tendo como centro de sua atuação o ser humano em todas as suas dimensões.  Diz o Papa Francisco: “Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efetivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo.” (EG 205).  A ação transformadora da sociedade requer um comprometimento maior dos cristãos justamente nas esferas onde se definem e decidem os destinos das pessoas 
Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral. (EG 102)


A caridade nas relações de família.

Na recente exortação Amoris Laetitia, sobre o amor na família, o Papa apresenta algumas características da caridade, aplicáveis às relações humanas em todas as esferas. O amor na família é um amor altruísta. Os desejos e aspirações do outro é o critério do cuidado e carinho. “Não tenha cada um em vista os próprios interesses, mas todos e cada um exatamente os interesses dos outros”. (Flp 2, 4).
O outro visto, assim sem interesse, é acolhido na sua dimensão de beleza. Beleza em sua totalidade e não parcial definida e imposta pela sociedade de consumo.

O amor de amizade chama-se «caridade», quando capta e aprecia o «valor sublime» que tem o outro. A beleza – o «valor sublime» do outro, que não coincide com os seus atrativos físicos ou psicológicos – permite-nos saborear o carácter sagrado da pessoa, sem a imperiosa necessidade de a possuir. (EG 127).

O outro é sagrado, imagem e semelhança de Deus, portanto, ela não se esgota nas aparências e condições limitadas da vida humana. Então não será difícil renunciar “a imperiosa necessidade de a (pessoa) possuir”. (EG 127). Fala-se de “amor possessivo”, um amo impossível, pois amor que é amor é doação, “a caridade edifica!” (1 Cor 8, 1). O remédio para o egoísmo doentio que muitas vezes assola as famílias, o Papa apresenta a ternura. Ele explica: “Ternura é uma manifestação deste amor que se liberta do desejo da posse egoísta. Leva-nos a vibrar à vista duma pessoa, com imenso respeito e um certo receio de lhe causar dano ou tirar a sua liberdade.” (EG 127)

Considerações: “A caridade edifica!” (1 Cor 8, 1). Se assim entendermos o amor ao próximo nas relações ao próximo, mas também nos grandes emaranhados políticos e econômicos, então não há dificuldade que impeça uma forma mais eficiente de se engajar pelo irmão. O pouco impacto dos cristãos na sociedade na condição de cidadãos ativos nas esferas sociopolíticas, orientando-as sempre para o bem comum resulta da deficiente formação e conscientização da verdadeira implicação prática do ser cristão.

*Doutora em Teologia com ênfase em Bioética e Meio Ambiente, Mestrado em Aconselhamento Pastoral. Assessora em temas de Fé e Meio Ambiente, Aconselhamento, Planejamento Pastoral.

Referências






[1] PAPA FRANCISCO. Encíclica Evangelii Gaudium (EG), 2013, 181.
[2] PAPA BENTO XVI, Encíclica Caritas in Veritate (CV), 2009, 01.
[3] PONTIFÍCIO Conselho “Justiça e Paz”. Compêndio da doutrina social da Igreja. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2011, 574.

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