12 de fev. de 2015

"Os filhos são um dom".

Nas assessorias e palestras teológico-pastorais nas comunidades ou encontros de grupos é muito comum encontrar esta realidade: Pais com dificuldades de estabelecer as fronteiras entre o cuidado e preocupação com os filhos e o exagerado controle como se fossem seus proprietários; pais frustrados que querem realizar seus projetos de vida falidos ou incompletos em seus filhos. Assim muitos jovens entram em universidades para fazer o estudo dos pais e não os seus, escolhem o namorado/a que agrada aos pais que pode não ser aquela pessoa para um projeto de vida duradouro. Como cuidar a vida confiada por Deus sem apossar-se dela? Como deixar os filhos a realizar seu projeto de vida, que pode ser muito diferente das expectativas e sonhos dos pais? Como é importante abrir-se ao plano de Deus, sem deixar de cuidar e amar a vida.

“Os filhos são a alegria da família e da sociedade. Eles não são um problema da biologia reprodutiva, tampouco um dos tantos modos de realização pessoal ou de posse dos próprios pais. Os filhos são um dom. Cada um é único e irrepetível e, ao mesmo tempo, inconfundivelmente ligado às suas raízes. Segundo os desígnios de Deus, os filhos trazem em si a memória e a esperança de um amor que lhes deu origem, de forma original e nova” Papa Francisco, catequese 11/02/2015).

9 de fev. de 2015

Criação e Sustentabilidade


2.1           A responsabilidade ética na raiz da fé criacional*


 O tema deste capítulo – ecologia e sustentabilidade – busca na teologia da criação seu significado e seus fundamentos. Compreender a criação a partir da nova criação em Cristo é fundamental para que se supere uma leitura fragmentada dos textos bíblicos, enfraquecendo muitas vezes a dimensão soteorológica e escatológica, que lhe dão o verdadeiro sentido.

A criação é o fundamento de "todos os desígnios salvíficos de Deus", "o começo da história da salvação", que culmina em Cristo. Inversamente, o mistério de Cristo é a luz decisiva sobre o mistério da criação; ele revela o fim em vista do qual, "no princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1): desde o início, Deus tinha em vista a glória da nova criação em Cristo[1].

2.1.1        A fé criacional


Crer em Deus Criador é essencialmente crer que ele tudo criou por amor. O amor de Deus precede a criação. Amor que é sua essência como Deus, que é uno e trino. Os vínculos do amor se dão em primeiro plano no seio da Trindade. A criação está no início da história da aliança de Deus. Aquele que é o grande Criador é também aquele que está em aliança com seu povo e sua criação. Esta aliança constitui a dinâmica relacional Criador – criação – Criador.

A revelação da criação é inseparável da revelação e da realização da Aliança de Deus, o Único, com o seu Povo. A criação é revelada como sendo o primeiro passo rumo a esta Aliança, como o testemunho primeiro e universal do amor Todo-Poderoso de Deus[2].

Na aliança com Noé aparece de forma singular o cuidado da vida. A arca é o lugar do cuidado da vida. É, portanto, uma aliança com a vida! A família de Noé – a pomba – o ramo – a terra são referências à vida, a distintos elementos da natureza. “Pode-se falar [...] de uma aliança cósmica, proporcional ao estado de perversidade e a punição”[3].
 Portanto, Deus se relaciona não só com o ser humano, mas com toda a sua criação. Dos seres humanos, ele espera fidelidade à aliança. "Se ouvirdes minha voz e guardardes minha aliança, sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" (Ex 19,5-6). É Deus que dá forma e, no conjunto de todas as coisas, define um lugar para cada coisa, a partir do qual, ele é importante para o conjunto da criação. A ação criadora está fundada única e exclusivamente na sua vontade e sua palavra. Ele cria do nada - creatio ex nihilo – e só por amor - creatio ex amore.

Como a teoria do Big Bang não exclui de fato a possibilidade de um precedente estado da matéria, é possível relevar que ela parece dar um apoio simplesmente indireto à doutrina da creatio ex nihilo que, como tal, só se pode conhecer através da fé[4].

O princípio criador está baseado na total gratuidade do Criador. Ele cria no princípio - creatio in principio -. "No princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1). A criação no princípio culmina com a nova criação em Cristo. “Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo ‘criar’ - em hebraico, 'bara' sempre tem como sujeito Deus). Tudo o que existe (expresso pela fórmula ‘o céu e a terra’) depende daquele que lhe dá o ser”[5]. Ele cria e conserva o que criou. “É Deus que, numa creatio continua lhes dá a vitalidade e os mantém na existência”[6]. Nenhuma criatura sobrevive sem luz e sem água, nenhum ser humano vive sem amor. A criação depende da vontade permanente de Deus para que ela continue a existir. A creatio continua é a dimensão da fé que permite vislumbrar uma imensurável dinamicidade da criação. Trata-se de incontáveis processos vitais do conjunto de ecossistemas, na perspectiva cristã, não estão dissociados da criação in principio e, por isso, com razão se pode afirmar a criação in statu viae[7]. A criação não caminha para um fim aleatório, sem rumo e sem sentido. Existe um desígnio original em relação à criação como um todo, mas também em relação a cada criatura. "Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do Senhor que permanece firme" (Pr 19,21). Este desígnio está ligado ao modo de ser e estar no mundo sempre numa perspectiva escatológica. A fé na providência de Deus é, sobretudo, a fé no desígnio do Criador com sua criação e identificá-lo permite entender o sentido e significado do movimento de todas as coisas criadas.

Ela [a criação] é criada ‘em estado de caminhada’ [‘in statu viae’] para uma perfeição última a ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou. Chamamos de divina providência as disposições pelas quais Deus conduz sua criação para esta perfeição[8].

A perspectiva escatológica da criação, a perfeição alcançada em Cristo, é o horizonte que ilumina a caminhada do Povo de Deus. Embora, na caminhada, a aliança é sempre de novo reestabelecida, o pecado pessoal e estrutural somente será plenamente vencido na dimensão escatológica. Não obstante, o plano de Deus não está sujeito a interferências das infidelidades humanas.

Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou; ela se estende "com vigor de um extremo ao outro e governa o universo com suavidade" (Sb 8,1). Pois "tudo está nu e descoberto aos seus olhos" (Hb 4,13), mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas[9].

Num tempo pós-reinado do cientificismo (da ciência como verdade absoluta, única e definitiva), há maior receptividade de outras abordagens, considerando-se que o avanço das descobertas científicas confronta a ciência também com seus próprios limites. Acidentes aleatórios, acasos e contingências não são incompatíveis com a providência de Deus porque “a causalidade divina pode estar ativa em um processo que é ou contingente ou dirigido”[10]. Como Deus providente “Deus é o Senhor soberano de seus desígnios, mas para a realização dos mesmos, serve-se também do concurso das criaturas”[11]. Existe uma reciprocidade dinâmica entre o Criador e a criatura consciente, habilitada para a relação com o transcendente, o que se constitui numa relação de responsabilidade ética com todo o mundo criado. Quando Deus for “tudo em todos” (1 Cor 15,28) e todo pecado e sofrimento for superado, então a Nova Criação será realidade. “Nela deve se realizar – que foi dito de forma antecipada por Jesus Cristo – o sim incondicional da criação como resposta à palavra criadora de Deus”[12]. A atitude exigida é do cuidado e compaixão e não da destruição. A compaixão desdobra-se em cuidados pelo outro. Acontece na experiência de alteridade. O outro dá sentido ao empenho em prol de todas as formas de vida. Portanto, não cabe uso indiscriminado dos bens da Terra e intervenções destruidoras de vida em benefício e conforto ilimitado próprio.



[1] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 280.
[2] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 288.
[3] PONTIFÍCIA Comissão Bíblica, 2009, n. 21.
[4] COMISSÃO Teológica Internacional. Comunhão e Serviço: A pessoa humana criada à imagem de Deus, 2004. Disponível em:
<http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_con_cfaith_doc_20040723_communion-stewardship_po.html.> Acesso em: 25 ago. 2013.
[5] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 290.
[6] PONTIFÍCIA Comissão Bíblica, 2009, n. 09.
[7] Cf. CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 302.
[8] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 302.
[9] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 302.
[10] COMISSÃO Teológica Internacional, 2004, n. 69.
[11] CATECISMO da Igreja Católica, 1999, n. 306.
[12] KEHL, Medard.  

* IN: HOSS, Geni Maria. A relevância da concepção bioética de Frita Jahr para a abordagem ecológica da Teologia Prática. 2013, p. 76ss