8 de abr. de 2020

A pandemia do coronavírus: o despertar do ser humano para o ser humano


  
“A pandemia do coronavírus nos despertou bruscamente do perigo maior que sempre correram os indivíduos e a humanidade, o do delírio de onipotência.”[1] Assim disse o pregador da Casa Pontifícia, Cantalamessa. Sim, ele nos lembra o que nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude.”[2] É esta experiência que estamos fazendo como humanidade, afetados diretamente ou não pelo coronavírus. Agora chegou a hora de tirar forças desta impotência e agir com a inteligência que o Criador nos deu para superar o momento que estamos vivendo. Ou seja, devemos reconhecer as nossas próprias fragilidades e confiar naquele que detém todo o poder, o Criador de todas as coisas. “Bastou o menor e mais informe elemento da natureza, um vírus, para nos recordar que somos mortais, que o poderio militar e a tecnologia não bastam para nos salvar.”[3]  À medida que tomamos mais consciência das nossas limitações e também da nossa missão, a preocupação, natural diante do desconhecido ameaçador, vai dando lugar ao cuidado. Sabemo-nos protegidos por Deus e incumbidos para cumprir a nossa tarefa de cuidar de nós próprios, mas também despertar para o cuidado do outro. Muitas vezes é justamente o cuidado de si próprio que representa o cuidado do outro, pois vivemos de forma interdependente nas diversas dimensões da vida. No caso de doenças contagiosas, como é o caso do coronavírus, o cuidado do outro é essencialmente também cuidado de si próprio, com todas as precauções conhecidas e reconhecidas pelo campo das ciências.
Mais do que o desespero, os cristãos suplicam ao Espírito Santo para que ilumine todas as pessoas envolvidas na busca de soluções seguras e efetivas. Estamos sujeitos a definições e determinações de diversos setores das ciências da saúde, da política e da economia.

Uma vez não tendo ainda conhecimento suficiente sobre o comportamento do coronavírus e igualmente carecendo de meios de defesa e cura, é preciso tentar fazer o melhor possível daquilo que se tem em mãos considerando experiências passadas e atuais orientações do âmbito da saúde. Aperfeiçoamentos e mudanças no meio do caminho, desde que venham de fontes seguras e não sejam pautadas em fake News e achismos, devem ser sempre bem-vindos e aceitos como nova luz a iluminar nossas ações. É um grande desafio, nas atuais turbulências sociais, encontrar um caminho que seja seguro e ao mesmo tempo possa contar com a adesão popular necessária para minimizar o avanço da doença. Não se pode ainda esperar soluções imediatas no âmbito científico. Qualquer promessa diferente é mera enganação, uma vez que remédios e vacinas resultam de um longo processo de pesquisa. É sempre arriscado usar medicação com suposição de resultado em vez de resultado já confirmado pelas pesquisas.  

E o que temos no momento? Uma vez declarada a pandemia, uma das primeiras orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi o isolamento social. Sim, a estratégia é centenária e não promete suspensão do coronavírus. Mas é compreensível para quem ainda se lembra das antigas lições de matemática sobre a curva exponencial e tem diante de si a realidade da capacidade do atendimento da saúde, seja ela pública ou suplementar. Não se trata de definir matematicamente o seu avanço, mas de prever e tomar providências antes de o sistema de saúde entrar em colapso. Desacelerar o avanço pode permitir que se possa oferecer estrutura de assistência necessária aos cuidados e também, no caso das situações mais graves que levam a óbito, que os procedimentos posteriores sejam mais humanizados.

Pode ser discutível a forma abrupta em que foi estabelecido em muitos lugares o isolamento social, uma vez que este processo, em alguns casos, deixou os próprios cidadãos na mão ao se fecharem fronteiras, mas isto não anula sua urgente necessidade. Não é o discurso sobre a defesa da vida que nos interessa em primeiro lugar, mas a sua prática. Porque usar o discurso para fundamentar atitudes que colocam tantas outras vidas em risco não é compatível com a fé cristã. O Papa Francisco vem dando um grande exemplo. Não é por acaso que aconteceram mudanças tão grandes nas celebrações do Vaticano e, não só, ele também, através das instâncias próprias do Vaticano, providenciou máscaras, respiradores para pessoas afetadas pelo coronavírus. O isolamento social, segundo o Papa Francisco, é muito diferente do abandono. Por isso, tanto ele o faz, como ensina fazer: promover a proximidade solidária no distanciamento social. Neste sentido, somos privilegiados por diversos meios tecnológicos que podem nos aproximar e ajudar fraternalmente. Além disso, a oração com suas intenções diárias que o Papa Francisco faz devem estender-se aos nossos lares. Formamos uma grande aliança global de oração para que profissionais, pacientes e familiares encontrem forças para superar este sofrimento e que o Espírito Santo ilumine cada pessoa para ela encontrar o caminho certo do cuidado de si próprio e do irmão.

Algumas pedras no caminho, no entanto, estão dificultando o cuidado e a assistência tornando os desafios ainda maiores. Precisamos, com urgência, do discernimento que cura a nossa incapacidade de crítica diante daqueles a quem confiamos a gestão pública. “O cristão não pode encontrar um partido plenamente às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica, a fim de que o partido e o seu projeto político sejam estimulados a realizar formas sempre mais atentas a obter o verdadeiro bem comum.”[4] Enquanto cristãos somos chamados a exigir ações de proteção à vida. Não se pode continuar a se orientar por fake News fabricadas em escritórios, com linguagem agressiva, de ódio e depreciação da dignidade alheia, sem assinatura e sem fonte segura, ora para agradar um extremo polarizado, ora outro. Isto gera, em vez da união necessária, acirramento da polarização pautada na mentira, o que conflita profundamente com o Evangelho, além de orientar as forças pessoais ou grupais para objetivos adversos ao cuidado recíproco quando mais se precisa de ajuda e fraternidade. Aqui é preciso lembrar que nada nos dá o direito de depreciar o outro pelo fato de pensar diferente, atitude que se tem mostrado com frequência nas redes sociais. Discordar é normal, mas com vocabulário respeitoso e evitar usar fake News para afirmar a própria opinião. O linguajar pejorativo para com o outro que, por sinal, gira rápido nas redes sociais, não é pressuposto para o diálogo e união no esforço para combater um inimigo comum: no caso, o coronavírus. Aquele texto tão agradável e sintonizado com meus desejos pode conter informações não verdadeiras, então é bom desistir de compartilhá-lo. Se alguém acredita naquilo que se compartilha, por exemplo, sobre remédios milagrosos, chás, desmerecimento das orientações da OMS, isto pode ter consequências trágicas. As fake News são sempre para alienar agradando. Sem olhar crítico, sem abordar a informação de vários lados, de forma objetiva, não devemos dar atenção, mais, devemos alertar outros sobre o risco de informações desta natureza.
Alguns cientistas, nas primeiras semanas, trouxeram à tona a verdade sobre o coronavírus e imediatamente, como um vírus destruidor, algumas redes sociais atacaram os cientistas e os acusaram de espalhar pânico. Isto é grave, porque mostra que a verdade já não é mais bem-vinda. Ninguém entra em pânico por saber a verdade, a verdade pode ser cruel, mas traz segurança e permite que se siga um caminho mais seguro. “A verdade vos libertará!” (Jo 8, 32). Ela agrada? Nem sempre, ainda mais quando se trata de uma situação de emergência mundial como vivemos no momento.

Como cristãos somos chamados a espalhar a esperança onde há desespero, a iluminar o mundo das comunicações virtuais com a luz da verdade, a sermos capazes de reivindicar das autoridades constituídas para cuidarem do bem comum da sociedade que tomem decisões e hajam em prol da vida de todos naquele sentido de discernimento requerido pela DSI. O cristão não é chamado a defender cegamente, usando para isso uma infinidade de fake News, as pessoas públicas que escolheu, mas de ser crítico de suas ações e decisões de forma que não se perca de vista a dignidade das pessoas, como acima indicado sobre a DSI.

Vem, Espírito Santo...

(Geni Maria Hoss, Teóloga e Bioeticista)


[1] Fr. Raniero Cantalamessa OFM. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-04/cantalamessa-sexta-feira-paixao-coronavirus-delirio-onipotencia.html. Acesso em: 15 abr. 2020.
[2] Catecismo da Igreja Católica (CIC), 1992, n. 1500.
[3] Cantalamessa. 2020. 
[4] Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI). Vaticano: Librerie Editrice Vaticana, 2004, n. 573.

4 de abr. de 2020

Vem, Espírito Santo, ilumina cientistas e profissionais de saúde para vencermos mais este desafio!


Política e responsabilidade do cidadão

Defender um político, seja qual for a orientação política, sem admitir constante avaliação, crítica e necessário melhoramento das próprias convicções e ações inevitavelmente passa pelo ódio e fake news. Porque em países onde as defesas não são rasas, onde a análise tem fundamentos sólidos, os políticos "dançam' conforme a música que os cidadãos tocam, ou seja, abaixo as espertezas e vantagens próprias, foco no bem comum. E os resultados são tanto mais visíveis quanto maior forem as crises.